(VITRINE FILMES/DIVULGAÇÃO)
Apesar de o filme “Todos os Mortos”, principal estreia de hoje nos cinemas, se passar na São Paulo de 1899, a dupla de diretores Caetano Gotardo e Marco Dutra não estava em busca de uma obra de reconstituição rigorosa desta época no Brasil, marcada por uma certa euforia após o fim do regime escravocrata e do Império.
“Não queríamos um filme de época, no sentido da obsessão de reconstituição, como um ‘Titanic’, de James Cameron. Não era a nossa preocupação ter a cor de parede correta. Mas sim falar sobre o hoje, pegando aquele momento de passagem, de um novo país, de uma nova energia, para fazer uma ponte com o agora”, registra Dutra.
Eles se miraram em filmes de época que questionavam a forma de representar um período, entre eles “A Inglesa e o Duque”, de Eric Rohmer, e “O Quinto Império”, de Manoel de Oliveira. “Todos os Mortos” é uma obra incômoda desde os seus primeiros minutos, ao apontar para um racismo e uma estrutura social ainda vigentes.
A São Paulo daquele tempo estava abaixo do décimo lugar entre as maiores cidades do país, mas rapidamente viria a ser uma metrópole, em função da cultura cafeeira. “Cresceu de forma acelerada e desordenada, com uma certa violência, algo que, historicamente, seria interessante para mostrar o que ela é hoje”, diz Dutra.
A narrativa se concentra em duas famílias, uma branca e pertencente à aristocracia decadente, e outra negra, formada por pessoas que ficaram marginalizadas. Ana, uma mulher que transita entre estes dois universos, passa a ser o centro da história após anunciar que vê fantasmas de antigos funcionários negros.
“Eu sinto que este filme foi muito afetado pela história do Brasil nos últimos anos. A gente começou a pensar nele em 2012, quando ainda se sentia uma certa euforia do crescimento. Mas ali já estavam muito evidentes as fissuras neste processo. A cada ano que passava, nossas perspectivas foram se modificando”, afirma Caetano.
O diretor destaca que a ideia de democracia racial foi lamentavelmente sendo abandonada. “Ganhou uma complexidade que se tornou muito importante para a gente no desenvolvimento do filme”, observa. As eleições de 2018, quando o longa foi filmado, também se tornaram determinantes para as escolhas dos diretores.
Dutra salienta que o desejo foi de fazer um filme mais panorâmico, com confrontos, alianças e a constatação de que nada é muito fácil de se resolver numa sociedade em ebulição. “A Ana encarna o espírito da elite brasileira, ao vislumbrar uma possibilidade de mudança, mas, no fim das contas, opta pela manutenção das diferenças”, completa Caetano.