(Élcio Paraiso/Bendita/Divulgação)
Para dialogar com o mercado, nada melhor do que os números. E quando estamos falando em milhões de possíveis consumidores “carentes de recursos acessíveis”, como salienta a professora e produtora cultural Lívia Motta, não há motivo para realizadores, distribuidoras e exibidores de filmes recusarem um final feliz.
Depois de muitas discussões e adiamentos, a Agência Nacional de Cinema anunciou, na quinta-feira, instrução normativa que obriga as salas comercias do país a oferecer, num prazo de dois anos, condições para que pessoas com deficiência visual e auditiva possam ver um filme na mesma sessão de outros espectadores.
Custos
O temor de parcela dos empresários sobre o custo dessa adequação é irreal, de acordo com Lívia, professora doutora em Linguística Avançada que realiza eventos culturais com audiodescrição. “(O custo) será muito pequeno se consideramos o tamanho desse público”, enfatiza, ao destacar que 25% da população brasileira têm algum tipo de deficiência.
“O público é enorme, se considerarmos que, além de pessoas com deficiência visual e auditiva, há ainda aqueles com deficiência intelectual e idosos, que também irão se beneficiar dos recursos”, registra Lívia, que ajudou a implantar o primeiro curso de especialização em audiodescrição do Brasil, na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Para Lívia, a questão da acessibilidade “não tem mais volta”, comemorando a importante vitória conquistada com a publicação da instrução normativa 128/2016. “Os produtores que já realizaram eventos para esse público sabem de seu potencial e sempre querem repetir a experiência”, afirma a professora, que recentemente fez o trabalho de audiodescrição para o DVD do filme “Meu Amigo Hindu”.
Inclusão
A vitória, endossa Lívia, é sobre um sistema que impedia, por exemplo, pessoas a assistirem a um filme que acabou de ser lançado nas telonas. “A gente sabe como a arte pode ser transformadora e inspiradora. Era muito triste ver uma pessoa morta de vontade de ver um filme aguardado e não poder ir, excluído de um produto que tanto quer ir”.
Quando promove seus eventos culturais, a produtora, que é mineira de Itajubá, gosta de ficar num canto escuro da sala, observando as reações da plateia. “Elas são iguais aos outros, com risadas, lágrimas, surpresa e espanto. É muito emocionante e nos faz pensar quantos detalhes deixam de apreender por falta de recursos de acessibilidade”, descreve.
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Em vários países, o recurso mais utilizado é um aplicativo que o espectador baixa em seu celular
Adequação para os pequenos distribuidores
A grande dúvida sobre a adequação das salas de cinema para abrigar recursos de acessibilidade, como legendagem descritiva, audiodescrição e Língua Brasileira de Sinais (Libras), é a tecnologia que será usada. Uma câmara técnica está sendo montada pela Ancine para definir o padrão.
“A medida é muito bem-vinda, porque, além de inclusiva, ela representa a possibilidade de agregar novos consumidores ao mercado. Mas também é complexa, exigindo um pacto entre produtores, distribuidores e exibidores”, afirma Adhemar Oliveira, proprietário da sala Belas Artes.
Aplicativo
Em vários países, o recurso mais utilizado é um aplicativo que o espectador baixa em seu celular, que, sincronizado com a projeção, apresenta os vários recursos. No caso de surdos, há ainda a possibilidade de uso de um óculos especial, em que o sistema de Libras é mostrado num canto da lente.
Adhemar, que tem uma rede de cinemas no país, deixa um ponto de interrogação em relação aos filmes de arte, distribuídos por empresas pequenas e que têm menor retorno financeiro. “O custo pode ficar pesado para eles, por isso a câmara técnica deve pensar em soluções que custem menos”.
Ele salienta que esse tipo de custo é diluído na quantidade de cópias. “Se um filme é lançado em mil posições (salas), um valor hipotético de R$ 15 mil não é nada. Mas se lançado em apenas seis posições, é muita coisa. Se é uma medida inclusiva, ela não pode excluir o pequeno distribuidor”, pondera.
Lívia Motta registra que há um número considerável de profissionais para atender a demanda. “Um profissional preparado traduz a imagem em palavra, sem filtragens, diferentemente de uma pessoa que fica ao seu lado contando o que está acontecendo, filtrando a percepção”, compara a especialista.
Observatório do Circuito
A 3ª edição do projeto terá como tema “Espaços Culturais e Acessibilidades: Sentidos e Experiências – Circuito Liberdade para Todxs”. O encontro acontece no MM Gerdau Museu das Minas e do Metal (Praça da Liberdade), no dia 22, às 19h, com entrada franca.