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Um drama atual de Ken Loach sobre o desamparo social na Inglaterra e uma comédia excêntrica do francês Bruno Dumont ambientada na Belle Epoque levaram lágrimas e risadas nesta sexta-feira ao Festival de Cannes.
Os dois filmes, "I, Daniel Blake" e "Ma Loute", estão na mostra oficial e disputam a Palma de Ouro. As produções foram aplaudidas nas exibições para a imprensa.
Naufrágio social na Inglaterra
Ligar para algum organismo público e cair em uma mensagem automática com sua música impessoal e opções inflexíveis é uma das pragas dos século XXI. Do outro todos os burocratas que se recusam a aparecer.
Para a classe trabalhadora em queda livre, protagonista do inquietante espelho de nossa época no filme "I, Daniel Blake" de Ken Loach, esta é apenas mais uma etapa no calvário cotidiano de buscar emprego ou conservar a ajuda social.
Daniel Blake (Dave Johns) é um carpinteiro de 59 anos da cidade inglesa de Newcastle que se vê obrigado a recorrer a esta ajuda depois de sofrer problemas cardíacos.
Apesar do médico proibir seu retorno ao trabalho, o sistema o obriga a procurar um improvável emprego ou ficar exposto a perder a pequena ajuda que recebe, apenas o suficiente para sobreviver.
Em sua visita diária à agência que atende os desempregados, ele conhece uma mãe solteira (Hayley Squires), que também passa por dificuldades e sofre, ao lado dos dois filhos, nas mãos do sistema.
Aos 80 anos e com uma extensa filmografia ativista, Loach mantém suas convicções. Em seu universo, os pobres são necessariamente bons e o capitalismo afunda o indivíduo.
O filme narra o relacionamento entre dois náufragos que buscam apoio um no outro, mas o lado social entra pelo individual e, como acontece com frequência no de seus pares. "Quando você perde o respeito próprio é o fim", adverte Daniel Blake.
Deliciosa carne burguesa
Do outro lado do Canal da Mancha, não muito longe da Inglaterra, onde saber rir de si mesmo é uma obrigação moral e uma cortesia com os demais, está o norte da França, região de paisagens abertas e pessoas de extrema convicção.
Nesta área nasceu Bruno Dumont, diretor de "Ma Loute", que defende em seu cinema que sua região natal é, ao mesmo tempo, bruta e engraçada. Duas características que, somadas ao grotesco, guiam sua tragicomédia, que em alguns momentos lembra uma história em quadrinhos.
Tudo acontece ao redor de uma casa de extravagante estilo egípcio onde passam férias, no início do século XX, os Van Peteghem, família burguesa de Tourcoing, que, embora observem os burgueses com receio, os consideram apetitosos a ponto de comer os vizinhos. Literalmente.
O insólito vício em carne humana gera uma série de desaparecimentos misteriosos, investigados por uma dupla de policiais, ao melhor estilo 'O Gordo e o se vestir como mulher.
O filme tem cenas surrealistas e gira sobretudo ao redor do personagem do pai, ridiculamente afetado até na forma de caminhar, interpretado por Fabrice histriônica Aude Van Peteghem (Juliette Binoche).
"O cômico é esquemático, são caricaturas, não é sociologia", disse Dumont à imprensa. Ele afirmou que sua fábula não se limita a uma reconstituição de época, mas aspira apresentar um retrato da humanidade. "Meus personagens são eu mesmo ou vocês. É bom rir de si mesmo".