Concurso elege o "mais desprovido de beleza" e depois faz recauchutada nele

Elemara Duarte - Hoje em Dia
Publicado em 16/08/2015 às 10:48.Atualizado em 17/11/2021 às 01:22.
Um ano após vencer o “Concurso do Homem Mais Feio do Brasil”, Glaysom Vicente Ferreira apresenta nova estampa. A seleção aconteceu em Contagem no ano passado e rendeu ao ex-pedreiro prêmios como cinco metros de linguiça, uma foice e um tratamento dentário completo. Este último regalo deu nova vida ao vitorioso e comprova: feiura tem cura!
 
“Melhorou a minha fala. Fiquei mais seguro para conversar com as pessoas. Agora, estou parecendo um empresário. Ninguém merecia aquele ‘dentão’ de abrir garrafa”, diz Ferreira, 43 anos, pai de dois filhos.
 
Porém, Glaysom garante que o mesmo jeito de ser de antes, como feio, ele mantém agora – ou seja, pura simpatia. Glaysom trabalha na área de serviços gerais em um convento em Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH. O emprego conquistado pouco antes do concurso também o ajudou a deixar para trás a aparência sofrida. “Sabe como é convento: comida boa e na hora. Engordei sete quilos”.
 
“Ele era maltratado. O cara parece galã agora”, concorda o inventor do concurso, o produtor de eventos Fábio Medeiros. Glaysom enumera algumas das causas cumulativas do desleixo: o casamento que não está dando muito certo, o salário curto, um dente atrás do outro que estragava e a vida precisando seguir – mesmo que com um sorriso cheio de falhas.
 
 
Recauchutado, neste ano Glaysom foi jurado do concurso que venceu ano passado
                  Neste ano, Glaysom foi jurado do concurso que venceu ano passado. Foto: Flavio Tavares/Hoje em Dia
 
 
Fábio Medeiros improvisou o primeiro concurso em uma festa junina organizada perto de casa. No ano seguinte, um jornalista viu o anúncio da festa, gravou matéria e a notícia do evento correu o Brasil. No primeiro encontro, apenas uns dez inscritos; neste ano, mais de cem.
 
Medeiros diz que não aceita inscrições de pessoas com problemas físicos ou mentais, muito menos mulheres. “Pois não existe mulher feia”, diz, jogando o “caô”. “Escolhemos aqueles que estejam precisando de ‘lanternagem’. Temos parceria com uma clínica odontológica. Se tiver problema com álcool ou droga, encaminhamos para tratamento”.
 
Em quase dez edições do concurso o produtor diz que já viu vencedores arrumarem namorada e até promoção no trabalho. Tudo por causa do “trato” que ganham de presente. “A gente não faz milagre, dá uma melhorada”.
 
“Fui para ganhar. Antes tinha ganhado outros dois concursos de feiúra, em um circo e em uma festa na minha cidade. Quero outro concurso. Quero tratamento para a careca ou para andar de avião, coisa que nunca fiz na vida”, planeja Glaysom. É só tirar a prótese móvel e fazer as caretas. “Coloco o dente de novo depois, fico bonito”.
 
Mas afinal, o que é ser feio? “Feia é uma pessoa que não cuida do visual. Diante de qualquer problema que tenha, certamente há outras qualidades que vão valorizá-lo”, garante Fábio Medeiros.
 
 
Autor de sucesso teatral traz visão feminina e bem-humorada para “O Patinho feio”
 
Angelo Machado diz que a feia que não casa “fica para titia”; já o feio vira o “garanhão”
Angelo Machado diz que a feia que não casa “fica para titia”; já o feio vira o “garanhão”. Foto: Flavio Tavares/Hoje em Dia
 
 
Homem feio faz piada de si mesmo e pronto. Diante de uma mulher supostamente feia, se você quer manter os dentes intactos, não ouse tocar nesta delicada questão. Aos 81 anos, o professor e escritor Angelo Machado entendeu este comportamento e vai contá-lo no infantojuvenil “A Patinha Feia”, que chega às livrarias até o fim do ano.
 
Mas não seria “o” patinho? “Eu mudei o conto do Andersen. Ele não fala da mulher. A feiura é pior para as mulheres. E o final dele é chato, não aproveita a história. No meu terá humor”, diz Machado – que também escreveu a comédia “Como Sobreviver em Festas e Recepções com Buffet Escasso” –, cutucando o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875).
 
Visagista é milagreira?
 
“Quero saber se você consegue fazer um milagre”. A frase desafiadora é ouvida constantemente pela hair stylist e visagista Patrícia Carvalho, em seu ambiente de trabalho.
 
Na cadeira diante do espelho no salão ela analisa os traços da cliente e passa as possibilidades de soluções. Aceita quem quer. “Às vezes, a pessoa está se sentindo muito feia ou com uma imagem que parece estar com pena de si mesma”, exemplifica.
 
“Entenda seu estilo de beleza. Tudo pode ser melhorado a partir do momento que você decide não aceitar as coisas somente por serem como são”. 
 
Assim, o cliente se vê além daqueles traços. Ou seja, para Patrícia, “há jeito para a feiura”. E tem mais: “Não é porque uma pessoa é bonita que é eficiente, segura. A beleza pode até abrir portas, mas o que mantém é o que vem de dentro”.
 
Patrícia explica que a pessoa procura uma visagista quando quer externar algum temperamento. Se, aparentemente, a pessoa é mais dramática ou sofrida, por meio de uma maquiagem, corte ou cor de cabelo pode externar o lado arrojado, sensível ou clássico. “Tento entender até quando ela sustenta esta imagem que quer passar. É preciso ser autêntico, não um ‘personagem’”.
 
Conceitos morais
 
“Quanto a mim... Quando amo, o feio bonito me parece! Exceto quando se trata de preconceito, maldade e injustiça. Isso é incondicionalmente feio!”, acredita o psicanalista e professor do Departamento de Psicologia da UFMG, Guilherme Massara Rocha.
 
“No fundo, os conceitos são morais. A feiura é discriminada, censurada, porventura punida”, reflete Massara, dizendo ainda que, a rigor, beleza e feiura são conceitos que provêm do modo como “experimentamos a sensibilidade”. 
 
 
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