Conservador, filme sobre Elis opta por agradar ao público

Folhapress
Hoje em Dia - Belo Horizonte
23/11/2016 às 17:05.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:47
 (Divulgação)

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 Elis Regina.

No entanto, a carreira de Elis acontece entre o começo dos anos 1960 e sua morte, em 1982. Um período especial da cultura brasileira: ali há bossa nova e cinema novo, CPC e CCC, ditadura e resistência, Gil e Caetano, Chico e Edu Lobo, teatros Oficina e Arena, TV Record e Rede Globo.

Não foi pouca coisa. É verdade que o filme de Hugo Prata passa por essa época, mas um tanto de raspão. O essencial ali é captar a ascensão, glória e queda de Elis Regina, tida e havida como maior cantora do período em sua época.

Um primeiro problema se apresenta a essa concepção: a vida de Elis Regina não é tão dramática assim. Claro, ela comporta conflitos com o primeiro marido (Ronaldo Bôscoli), que o filme descreve como incuravelmente mulherengo. Ou ainda um momento em que, acossada pela polícia (ou algo assim), é forçada a cantar numa cerimônia de militares. Ou até a violenta resposta do chargista Henfil em "O Pasquim".

Em suma, existe algo de intransponível na era Elis: ela entra na história quer se queira ou não. Mas dela o filme empenhou-se em reter o mínimo, ao fixar sua atenção em especial sobre seu talento e caráter.

O talento é bem conhecido. Uma das cenas mais interessantes do filme mostra Elis, em início de carreira, assistindo a um show de Nara Leão, revoltada com aquela voz pequena.

Elis define ali o seu território: é uma cantora do dó de peito, da voz solta, mesmo que não raro isso signifique contrariar o espírito da música que está interpretando. Não é impossível, como parece postular o longa, que Elis tenha sido uma das principais responsáveis pelo fim da bossa nova, a partir de seu sucesso no programa "O Fino da Bossa".

Quanto ao caráter, digamos, para resumir, ela ficou conhecida pelo apelido de Pimentinha. Ou seja, não fugia de brigas e discussões. Tinha um caráter forte.

Esse caráter, por sinal, responde em parte pela pouca dramaticidade do filme. Elis não é cantora que "vem de baixo", como se diz. Teve mais dificuldade para chegar aonde chegou do que o filme pode nos levar a crer, mas nem foi tanto assim.

Em suma, ninguém espere encontrar aqui algo análogo a "Piaf", que em 2007 teve o mérito de apresentar ao mundo Marion Cotillard e mais ou menos só. O que poderia haver de melodramático na vida de Elis está na fase final, mas o filme mantém-se bastante sóbrio em relação ao período.

Diante disso, estamos quase obrigados a perguntar: se o filme passa batido pela época que representa, se não oferece maior dramaticidade, o que tem a mostrar?

Primeiro, que sua opção é claramente conservadora do ponto de vista cinematográfico. O que, diga-se, é a norma do cinema brasileiro atual.

Segundo, que por isso mesmo não explora as potencialidades do roteiro, que parece sugerir articulações bem mais ricas do que o visto na tela.

Terceiro, Andréia Horta. A atriz já tomara parte em filmes de menor estatura (foi, inclusive, protagonista da série de TV "Alice"), mas aqui chega realmente com tudo. Entrega-se não a imitar Elis, mas a efetivamente encarnar a cantora e seu carisma (carisma em que, aliás, o filme aposta).

Quarto, o som. Para os fãs de Elis, o filme apresenta diversas interpretações da cantora. Na medida do possível, com a gestualidade que ela tornou bem conhecida.

Todos esses itens resumem o que parece ser uma clara opção por agradar ao público potencial, mais do que revelar algo de fundamental sobre Elis, seu tempo, formação, convicções etc. Quase cena por cena estamos diante de uma opção pelo convencional: como se assistíssemos a um antigo musical dos anos 1930 ou 40, sem a mesma produção.

Nesse sentido, sim, "Elis" até se aproxima de "Piaf", assim como se coloca na mesma faixa de outras biografias recentes de vultos nacionais que o cinema comercial brasileiro tem explorado com resultados comerciais em geral satisfatórios e resultados artísticos invariavelmente à beira do nada.

ELIS
DIREÇÃO Hugo Prata
ELENCO Andréia Horta, Caco  Ciocler, Lúcio Mauro Filho
PRODUÇÃO Brasil, 2016, 14 anos
QUANDO estreia na quinta (24)
AVALIAÇÃO regular

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