Allys Madron não vê nenhum problema em ser chamada de bruxa. Há até pouco tempo, o termo era sinônimo de alguém feio ou maléfico. O cinema ajudou a ampliar essa definição pejorativa, mostrando velhas de vestido preto, de risadas aterrorizadoras e verruga no nariz, além de fazerem magia negra – um dos ingredientes do filme “A Bruxa”, em cartaz a partir desta quinta (3).
Como as bruxas dos desenhos animados, Allys tem vassoura e caldeirão para feitiços, mas hoje eles são mais símbolos do resgate de um culto antigo, da época em que o homem se pautava pelos ciclos da Natureza. O preconceito de antes sucumbiu à grande curiosidade de jovens, estimulados por um bruxinho simpático inglês, o Harry Potter. A ponto de essa filosofia sair da clandestinidade.
O envolvimento de Allys com a bruxaria é uma prova disso. Ela começou há 15 anos, mas seus pais, de origem evangélica, só ficaram sabendo que tinham uma filha bruxa quase uma década depois. “Havia um ranço histórico com a palavra bruxa, ligada a uma coisa do Mal. Aos poucos isso se desmistificando, vendo que quem pratica são pessoas normais, casadas e com filhos”, registra.
Antes “fechadas em seus cantinhos”, como ela assinala, os wiccanianos (ramificação da bruxaria) passaram a adotar um perfil de trabalho público. A Associação Brasileiras de Artes e Filosofias da Religião Wicca foi criada e ganhou uma representação em Belo Horizonte, com Allys sendo uma de suas primeiras coordenadoras, ajudando a montar cursos e promover rituais públicos.
Allys Madron observa que os cultos antigos em torno da Natureza foram demonizados com a propagação do cristianismo
Independente
A taróloga Cris do Tarô preferiu seguir um caminho diferente. Ela se define como “uma bruxa solitária”. Costuma brincar que é do Independente Futebol Clube. “Faço as celebrações da minha maneira particular, sem precisar me prender a um roteiro social, seguindo minha intuição”, justifica, ressaltando as raízes históricas das bruxas, que “são contestadoras por natureza”.
Por serem diferentes, elas foram muito perseguidas, principalmente na Idade Média. “Se tinha uma marca de nascença ou um conhecimento de ervas, já era levada para a fogueira. As bruxas sempre foram sábias, com uma sabedoria ligada à Natureza”, registra Cris. A maior aceitação hoje tem a ver, segundo ela, com a urgência do planeta, em observar os fenômenos da Natureza.
“A bruxa sempre foi muito íntima do ambiente, do clima, das marés, das ervas que usamos para os feitiços”, salienta Cris. Quem imaginou um caldeirão, onde são jogados vários ingredientes, para se criar uma espécie de poção, não está longe da verdade. “São, mal comparando, como as antigas simpatias, trabalhando uma intenção para mudar aquilo que não nos deixa felizes”, afirma.
Para fazer magia é preciso ter os elementos certos e saber qual a melhor fase lunar. “A bruxa é quem move a sua vida. A gente não pede uma bênção dos deuses para que algo aconteça. Se você quer prosperidade, tem que pôr a mão na massa, acreditando no poder de energia dos quatro elementos”, explica Allys.
A taróloga Cris do Tarot é uma “bruxa solitária”, realizando cerimônias mais íntimas, só para seus familiares
Druidismo
Você já deve ter ouvido falar em druidas em filmes de fantasia e nos quadrinhos de “Asterix”. Na sociedade celta, pré-cristã, eram como conselheiros, muitas vezes resolvendo impasses entre os habitantes. O druidismo busca resgatar esse papel, valendo-se de elementos muitos semelhantes aos vistos na bruxaria, especialmente na wicca.
“Nos dois casos, fazem celebrações a partir das estações do ano, mas na bruxaria são aceitos deuses de diversas religiões, como celtas, egípcios e do candomblé. No druidismo, todas as forças são face de um mesmo deus”, explica Sara Noce Bones, que, ao lado do marido Alysson Avelino Mari, forma o grupo Espírito Caminhantes.
Criado em 2010, o grupo, sediado em Santa Luzia, está associado à União Druidica do Brasil e, por enquanto, só tem o casal como membros. “Quando ingressamos na União, que está associada a uma ordem francesa, exigiu-se uma seriedade maior, um envolvimento maior. E hoje as pessoas têm o ritmo delas”, explica Sara.
Cerimônias
Fazer parte do druidismo significa participar das oito cerimônias realizadas no ano, a maior parte delas relacionadas às estações. “O druidismo é basicamente uma filosofia religiosa ou uma religião filosófica, dependendo da visão do grupo. É ligada à energia da Natureza. Buscamos vivenciar esses ciclos naturais no dia a dia”.
O druidismo tem forte ligação com a terra e é por isso que, no Brasil, o grupo preferiu se ligar às tradições indígenas. “Não realizamos as práticas indígenas, mas há o respeito pela sabedoria ancestral. O conhecimento dos índios sobre as ervas e árvores é muito maior do que em qualquer outra cultura”, diz Sara.
As cerimônias no druidismo variam de acordo com a estação, mudando até mesmo as vestimentas. No inverno, por exemplo, a roupa é preta, cor que simboliza a força escura. “No druidismo, ela não é boa ou ruim. A energia precisa ser expansiva numa época e introspectiva em outra”.
Sara Noce Bones e Alysson Avelino viram Agata e Hametts nas cerimônias
Vassouras
Claro que nenhuma bruxa sairá por aí voando sobre uma vassoura, mas o objeto tem a sua importância dentro do universo da wicca, relacionado aos cultos da Natureza. “Como forma de sacralizar a terra, recebedora da semente que garantiria a vida, era preciso limpá-la, retirando as ervas daninhas e o ranço do inverno. Assim as mulheres dançavam com suas vassouras em cima da horta”, destaca Allys Madron.
Já o caldeirão está relacionado com o salto civilizatório provocado pela descoberta do fogo. “Ele é o receptáculo para fazer as transformações acontecerem a partir do fogo. Isso serve tanto para a comida quando para as intenções, para os desejos. Mas essa cultura não é exclusiva da bruxaria e está presente no Brasil com a panela de barro, onde os indígenas faziam seus alimentos”, compara a doula, que também tem uma loja de informática.
A vassoura representaria ainda os órgãos sexuais masculino e feminino. A madeira do cabo seria o falo e a palha usada para varrer a vulva. “Juntos, os dois formam o casamento sagrado, a deusa e o deus”, relata.
Cada bruxa adota um tipo de madeira diferente. Ally prefere o da pitangueira, gravando nele símbolos mágicos. “Eu gostaria de ter um de bétula, que é uma madeira branca, mas não tem no Brasil”, lamenta.
Chapéu
Já o chapéu não está diretamente relacionado às tradições antigas. Mas Allys tem uma leitura particular sobre o seu uso, a partir dos chacras, que, de acordo com a filosofia iogue, são centros energéticos dentro do corpo humano. “No alto da cabeça fica o chacra coronário. No bebê, ele é molinho para facilitar a passagem pelo canal vaginal e depois se fecha. Mas ainda continua sendo um ponto energético. Um chapéu em forma de cone ajudaria a fluir essas energias”.
Segundo Allys, é um momento de conexão em que a energia sai do corpo e se eleva em direção ao universo. “É como quando a gente faz uma oração e faz as súplicas para o alto, para uma instituição acima”, conta.
(*) Colaborou Elizabeth Alves Machado
Vídeo 1 - Allys Madron fala sobre a bruxaria
Vídeo 2 - Bruxa, que mora em Belo Horizonte, explica os símbolos usados