Discretos, museus restritos a um assunto guardam relíquias na capital

Elemara Duarte, Paulo Henrique Silva, Germana Delage e Clarissa Carvalhaes - Hoje em Dia
15/03/2015 às 13:24.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:21
 (Frederico Haikal/Hoje em Dia)

(Frederico Haikal/Hoje em Dia)

Talvez você passe em frente a eles diariamente, sem imaginar que no segundo andar de um casarão no Cidade Nova, numa rua da periferia ou sob um estádio de futebol possam existir museus monotemáticos. Quase que camufladas na paisagem urbana, apesar da importância do acervo que guardam, essas instituições enriquecem a cultura de Belo Horizonte. Por aqui são pelo menos 15, em diferentes regiões.   Mas há sentido em museus de um tema só? Os repórteres do caderno Almanaque visitaram quatro deles para responder à pergunta. O desafio era mostrar o que têm de mais interessante para quem não é, digamos, fã número 1 daqueles assuntos.   Os “achados” da equipe são capazes de surpreender – e atrair – muita gente. Mas para a professora de Museologia Letícia Julião, da Universidade Federal de Minas Gerais, vão além: refletem a sociedade atual, marcada pela sensação de que vivemos uma época em que “rapidamente tudo se torna passado, podendo cair no esquecimento”.    “Esses museus respondem ao nosso anseio de querer estancar a passagem veloz do tempo, por meio da musealização de diversos aspectos da vida”, diz. Daí a necessidade constante de resgatarmos e mantermos os registros. Isso explicaria, em parte, o apego que desenvolvemos pela memória e pelo patrimônio.   Um interesse que se repete mundo afora. Como na Croácia, onde fica o “Museum of Broken Relationships” (Museu dos Relacionamentos Rompidos). Nele, participantes enviam objetos sobre a própria história: álbum de casamento, copos quebrados e até a mala de um velho amor, dando corpo a um acervo tão curioso quanto o dos museus que você vai conhecer a seguir.   Chá mate, gol de placa e rivalidade que atravessa o tempo   O tapete sintético na entrada do Museu Brasileiro do Futebol imita direitinho o gramado. Ao pisá-lo, é como se alguma voz imaginária avisasse: “Você está no time e agora vai entrar no jogo”. Por enquanto, a partida é apenas histórica, mesmo que ambientada ao lado de um dos mais importantes estádios do planeta, o Mineirão.   Inaugurado em 2013, o museu reúne 14 salas – uma delas é a “Multiuso”, à espera de negociações para receber exposições de fora. Em outra, vemos a capital em fotos aéreas antigas com os dois campos dos maiores rivais. Obviamente, bem separados: o do Atlético, em Lourdes, onde hoje funciona um shopping; e o do Cruzeiro, no Barro Preto, onde agora há um clube.   O Mineirão da época da fundação, nos anos 1960, era sem cobertura, tinha vendedor de chá mate e arquibancadas com largos degraus de concreto. As fichas dos jogos registradas por um funcionário, ainda em máquina de escrever, também estão lá.    “PELÉ DE SAIA”   Há mulher na jogada?! Na sala dos “Imortais”, está a “Pelé de saia” Marta, presente em forma de totem. Há outras, mas na torcida. É o caso da gerente de projetos Renata Pivoto, que trouxe para a visitação um time de três colegas de trabalho, todos gringos. Renata é cruzeirense desde criancinha. “O esporte reúne a família”, garante.    Hoje, pisar a grama do estádio é emoção, mas também luxo. Lá de baixo, dá para lembrar dos antigos degraus desconfortáveis, onde muito estudante se sentou para fazer a prova de vestibular. Agora o espaço da torcida é “padrão Fifa”, o que faz a história ficar um pouco distante.   O Museu Brasileiro do Futebol fica na avenida Coronel Oscar Pachoal, s/n, portão G2 do Mineirão. Ingressos: R$ 8 (museu) e R$ 14 (museu e Mineirão). Informações: (31) 3499 4312 e museubrasileirodofutebol.com.br.     A história das mulheres mineiras contada por meio do bordado   O Museu do Bordado é a casa da criadora da instituição, Beth Lírio. Para ter acesso é preciso encontrar uma brecha na agenda da “dona”, também ocupada com os afazeres domésticos. O acervo, de aproximadamente 2 mil peças, fica no segundo andar do imóvel, onde Beth leva o visitante a um passeio no tempo.   A viagem tem como destino o cotidiano de mulheres do interior mineiro nas primeiras décadas do século passado. Cada bordado conta uma história de vida, que agora está sendo perpetuada num improvisado livro chamado “Doadoras do Museu do Bordado”. Ruth Pinto Gualberto é uma dessas personagens.   Beth conta que Ruth foi desenganada aos 4 anos. O médico, em uma visita, avisou à família que poderia ser a última noite da menina. Enquanto permanecia de vigília, a mãe bordava sobre um tecido o rosto da filha. Mas quis o destino que a garota sobrevivesse e ultrapassasse os 80 anos. Como forma de gratidão, Ruth criou cerca de 300 vestidos.   “Nossa prioridade é contar a história das mulheres por meio do bordado”, diz Beth, que fundou o museu em 2002. “É o primeiro e único do Brasil, patenteado até 2020”, frisa.   Ela estipulou que as peças não passem de 1960, talvez para homenagear a mãe, Irene, que ensinou à filha a arte de bordar.    Não importa se as feministas condenam hoje o papel submisso das mulheres, pois são aquelas à moda antiga que Beth quer reverenciar. A mulher de uma época em que um simples lenço bordado poderia significar compromisso. Como aconteceu com uma garota de 13 anos, ao ser cortejada pelo rapaz mais bonito da cidade. Casaram três anos depois, numa união que resultou em 13 filhos, 19 netos, 29 bisnetos e seis tataranetos, como descreve o bilhete feito a mão.   O Museu do Bordado fica na rua Jornalista Afonso Rabelo, 47, no bairro Cidade Nova. Visita agendada por telefone: (31) 3484 1067. Entrada franca.   Museu dos brinquedos A chegada ao Museu dos Brinquedos é uma viagem à infância. Revivi histórias. Inaugurado em 2006, está instalado em uma casa no bairro Funcionários, tombada pelo patrimônio histórico, com quartos amplos e quintal colorido. Lá, oficinas resgatam brincadeiras, como bambolê, pula cordas e amarelinha, e ensinam a construir vai-e-vem, pé-de-lata e bilboquê. Na sala “A Origem dos Brinquedos”, um carrossel pintado à mão e soldadinhos de chumbo de 1930 encantam. Entrando no espaço “Gambio Game”, me vi sentada no sofá de casa jogando “Alex Kidd” com minha irmã, no Natal de 1991. O Museu dos Brinquedos fica na avenida Afonso Pena, 2.564. Ingressos a R$20, com meia-entrada para idosos, estudantes e crianças até 12 anos.    Museu da Força Expedicionária (FEB) No canteiro da avenida avista-se um canhão fabricado em 1944 nos Estados Unidos. Arma que, ao lado dos pracinhas, testemunhou a Segunda Guerra. No Museu da FEB é possível encontrar uma parte viva da história, graças a veteranos, filhos e netos de ex-combatentes dispostos a relatar memórias. O Brasil declarou guerra às potências que formavam o Eixo em 1944 e lutou por 239 dias. Mais de 25 mil homens foram para a Itália. Fardas, armas, panfletos e suásticas, bandeiras, medalhas e fotografias compõem o acervo da instituição, que fica na avenida Francisco Sales, 199, no bairro Floresta. Aberto de segunda a sexta, das 13h30 às 17h. Ingresso a R$ 4 e R$ 2 (meia). Telefone: (31) 3224 9891.    PONTO A PONTO OUTROS MUSEUS TEMÁTICOS EM BH Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais Faculdade de Medicina da UFMG, av. Alfredo Balena, 190, bairro Santa Efigênia. (31) 3409-9106 www.medicina.ufmg.br/cememor   Museus dos Quilombos e Favelas Urbanos Rua Santo Antônio do Monte, 708, Vila Estrela, bairro Santo Antônio (31) 3296-6690 http://muquifu.com.br   Museu da História da Inquisição Rua Cândido Naves, 55, bairro Ouro Preto. (31) 2512-5194 www.museudainquisicao.org.br   Museu de Artes e Ofícios Praça Rui Barbosa, s/n°, Praça da Estação. (31) 3248-8600 www.museudearteseoficios.com.br   Museu Giramundo Rua Varginha, 245, bairro Floresta. (31) 3446-0686 www.giramundo.org   Museu Vivo Memória Gráfica Av. Santos Dumont, 174, Centro. (31) 3409-8290 www.centrocultural.ufmg.br

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