Documentário mostra trajetória de Henfil, o quadrinista que ilustrou o Brasil

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
05/11/2017 às 18:51.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:33

GLOBO FILMES/DIVULGAÇÃO / N/A 

 SÃO PAULO – Os 30 anos da morte do cartunista e jornalista mineiro Henrique de Souza Filho, o Henfil, em 4 de janeiro de 2018, serão lembrados com o lançamento em circuito nacional do documentário “Henfil”, dirigido por Angela Zoé e apresentado na 41ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Com seu humor sarcástico, Henfil foi um dos grandes nomes da classe artística a enfrentar a ditadura militar, na décadas de 60 e 70, a partir de personagens como Graúna, Fradinhos, Bode Orelana e Zeferino. Talvez por seu trabalho estar muito ligado a uma época de contestação, o desenhista tenha praticamente “desaparecido” do cenário cultural.

Angela sintetiza a figura de Henfil como um “gênio irônico que tinha um humor que não desaguava numa gargalhada”. A comicidade, segunda ela, surgia como um alívio, uma terapia. “Era humor que lhe viabilizava. Na época da ditadura, imagine, ele falava daquele horror que vivíamos. Hoje esse humor político não existe mais”, avalia.

Atualização
Para Angela, fazer o filme foi uma forma de descobrir quem era esse artista, que venceu por 43 anos a hemofilia até sucumbir à Aids numa transfusão de sangue, assim como os irmãos Betinho e Chico Mário. “Precisávamos atualizar o Henfil para essa geração que só o conhecia de uma frase de um livro didático de Português do segundo grau”, assinala.

“‘Henfil’ não é documentário clássico. Fizemos um filme que a garotada pudesse se interessar, que entrasse no cinema sem saber nada e saísse encantada, dando um Google para descobrir mais. Como o Henfil tem um conteúdo que dialoga com a época dele, temos frisado para os pais levarem os filhos e falarem o que representou”, sublinha Angela.

“’Henfil’ não é documentário clássico. Fizemos um filme que a garotada pudesse se interessar, que entrasse no cinema sem saber nada e saísse encantada, dando um Google para descobrir mais”Angela Zoé

Esse desejo de apresentá-lo aos jovens de hoje explica a inserção de imagens dos bastidores da produção de um curta-metragem em 3D por animadores do Rio de Janeiro, até a pesquisa sobre os personagens e o estilo de Henfil até a visita de desenhistas como Ziraldo, também mineiro, e Aroeira, que falam do legado dele. “As coisas foram acontecendo de forma muito natural. Ao acompanhar o processo com os animadores jovens, fizemos uma espécie de documentário reality, filmando todas as noites, durante quatro horas, no período de um mês. Deixávamos as câmeras ligadas, sem interferir em nada”, lembra Angela.

A diretora produziu, há dois anos, o filme sobre Betinho, “A Esperança Equilibrista”, e, no contato com os sobrinhos de Henfil, foi incentivada a produzir um documentário sobre o desenhista.

Com a produção em andamento, Henrique, filho de Betinho, descobriu cerca de 40 rolos de filme em Super 8 com gravações caseira da família, até então inéditas.

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Vítima de preconceito nos Estados Unidos e de censura até nas tirinhas infantis

Presente à sessão na Mostra, o filho de Henfil, Ivan Cosenza, destacou que era a segunda vez que o assistia ao longa-metragem, mas que aquela exibição em São Paulo tinha um caráter especial. “Aqui foi o lugar onde meu pai viveu por mais tempo. Diferentemente do Rio, ele veio para cá quando já estava no auge, onde mais batalhou pela luta da democracia”, observa.

Henfil transitava por outras expressões artísticas além dos quadrinhos, entre elas o cinema. Em 1987, realizou o filme “Tanga (Deu no New York Times?)”, comédia política em que só teve a oportunidade de ver o corte final. “Meu pai morreu antes do lançamento, sem chegar a vê-lo pronto”, lamenta Cosenza.

A pergunta “Deu no New York Times?” era uma brincadeira comum de Henfil, ao falar da importância das coisas e sobre seu o complexo de “cucaracha”, sentido após morar nos Estados Unidos e ser tratado com preconceito. Curiosamente, como ressalta o filme de Angela Zoé, o jornal americano deu a morte de Henfil no obituário.

Além da questão do preconceito, a passagem do desenhista pelos Estados Unidos também significou um rápido fechar de portas no mercado de trabalho. Em seus depoimentos, Jaguar e Tárik de Souza, companheiros de Henfil no jornal alternativo “O Pasquim”, observam que o estilo dele era muito anarquista para os padrões americanos.

“Estamos voltando no tempo, com direito à campanha contra comunistas e a censura”Ivan Cosenza

O artista mineiro, criado no bairro São Lucas, em Belo Horizonte, sempre teve a censura no seu encalço. Além da época de “O Pasquim”, durante o governo militar, no jornal “O Globo” as tirinhas no caderno infantil também sofriam com a censura interna. Hoje provavelmente não viveria situação diferente, segundo Cosenza.

“Estamos voltando no tempo, a partir de ações que são antidemocráticas. Muito igual mesmo, com direito à campanha contra comunistas e a censura”, comenta o filho de Henfil, ao falar do patrulhamento que grupos conservadores têm promovido em torno de exposições de conteúdo erótico e daqueles que defendem a liberdade de expressão.

 (*) O repórter viajou a convite da organização da Mostra

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