Em BH, viúva do sertanejo Barrerito mostra acervo e anuncia discos inéditos

Elemara Duarte - Hoje em Dia
01/12/2015 às 08:05.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:09
 (Flávio Tavares/Hoje em Dia)

(Flávio Tavares/Hoje em Dia)

Diz a sabedoria popular que “uma andorinha só não faz verão”. Mas nos últimos 17 anos, quem tenta ser exceção a esta regra é a cantora sertaneja Eliane Barrerito – cujo sobrenome já faz alusão à história dela. Viúva do cantor e compositor Barrerito (1942-1998), Eliane organiza gravações de inéditas de autoria do ex-integrante do popularíssimo Trio Parada Dura, que devem ser lançadas em disco, a partir de fevereiro próximo.
 
As gravações estavam junto ao acervo que o artista deixou, acrescido com quase uma centena de letras de músicas, também inéditas. O baú ainda contém discos de ouro, prata e platina, referentes aos sucessos de vendas, e figurinos. Não bastasse, há uma curiosa placa na fachada da residência do casal, na região sudoeste de BH.
 
Quando cai a noite, é a própria Eliane quem acende a sinalização com o nome “Barrerito”, escrita com luzes coloridas e idealizada por ele mesmo. Com o gesto, é como esta mineira, nascida em Oliveira, tentasse perpetuar a memória deste que foi um dos pioneiros do estilo “sertanejo urbano” no Brasil entre as décadas de 1970 e 90.
 
É assim que tudo na casa é mantido praticamente intacto pela viúva do artista fluminense, que radicou-se na capital mineira. O disco de inéditas já está na gravadora para remasterização. As demais canções ainda vão ficar sob o zelo da herdeira – Eliane e Barrerito não tiveram filhos.
 
Por enquanto, além do disco póstumo, a cantora (última companheira do músico, e que o acompanhou até o último suspiro) dedica-se à carreira própria. Com ônibus, banda e equipamentos, ela, que não se casou novamente, continuou a tentar perpetuar a fama que o marido construiu em shows, a partir dos anos 1990.
 
“Eu cantava nos shows ao lado dele. Às vezes, ele ficava rouco e eu fazia a primeira voz”. Neste ano, Eliane lançou o primeiro disco de carreira: “Saudade da Andorinha” (Pedágio Brasil). A música que dá título ao disco foi composta por ela. “Fala de mim e dele e dos preconceitos que sofreu”, explica, sobre a condição de cadeirante do artista, devido a uma lesão que sofreu em um acidente de avião, em 1982.
 
“Nas capas dos discos do Trio Parada Dura, ele só aparece de meio corpo. Tinham preconceito pela condição dele. Quando saiu do Trio, fez o ‘Barrerito, o cantor das andorinhas’. Aí, pode mostrar quem era”.

Acompanhe o clipe oficial da música que homenageia Barrerito:

 

Viúva diz que só a música ajuda a aplacar a saudade
 
Levantamento feito pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) mostra que as canções compostas ou interpretadas por Barrerito desde o Trio Parada Dura, onde fazia a chamada “primeira voz” ainda são constantemente executadas.
 
Entre julho do ano passado e julho deste ano, o Ecad listou as cinco músicas mais tocadas, nos segmentos de “Música ao Vivo”, “Rádios” e “Shows”: “Castelo de Amor” (Barrerito/Creone/Nenzico), “Bobeou... A Gente Pimba” (César Augusto/Barrerito/Jotha Luiz), “Bicho Bom é Mulher” (Barrerito/Luiz de Lara/Vicente Dias), “Amaremos” (Barrerito/Jotha Luiz/Aline) e “Onde Estão Meus Passos” (Carlos Randall/Barrerito/Nilza Carvalho).
 
A preferida da amada
 
Mas, para a viúva... “A música dele que mais gosto é ‘Anjo Mulher’”, aponta Eliane Barrerito. Hoje, ainda jovem e bonita, ela diz que só quer continuar a cantar e a lembrar do nome do grande – e único, garante ela – amor que teve na vida: “Não sou de balada, sou de trabalho. Termino o show e vou para o hotel sozinha”.
 
A adolescente Eliane casou-se com o já maduro e famoso artista, sem se preocupar com as sequelas que o acompanharam após o acidente. “Ele achava que eu não iria querer me casar com ele. Me chamava de ‘Benhô’ (variação de ‘bem’). Tudo era eu”. Eliane diz que o acidente não afetou a virilidade do músico, e que eles tinham uma vida sexual intensa.
 
“Era só as visitas irem embora, que ele já chamava para namorar. Eu até emagreci. O acidente não afetou em nada. Até brincava com ele, que ele tinha umas pernas bonitas”, conta Eliane, com fala apaixonada.
 
A viúva tenta superar a perda por meio da música. “Só a música mesmo para me ajudar. E os poucos amigos que ficaram. Nos shows que faço, o público dele sempre vai me prestigiar. Se não fosse isso, talvez nem estivesse aqui. A gente não aceita a perda”, desabafa, enquanto organiza os LPs do acervo.

Nova geração resgata antigos sucessos em gravações
 
Somente em 2014, Eliane Barrerito e ex-integrantes do Trio Parada Dura autorizaram cerca de 200 regravações para “Telefone Mudo” (Franco/Peão Carreiro). A canção é exclusiva do Trio que a tornou conhecida. “Depois, Bruno e Marrone, Victor e Leo, entre outros, gravaram”, cita.
 
Eliane diz que Barrerito era um artista essencialmente de rádio. Mas que, naquela época já desfrutava de luxos típicos dos sertanejos de hoje. “Quando o show era perto, gostava de ir com o carro dele, todo adaptado. Quando viajávamos para Mato Grosso, Rondônia, o contratante mandava um jatinho”.
 
Entre outros artistas da nova geração, como é o caso do quarteto Barra da Saia, o legado de Barrerito sobrevive. “Impossível não ter a influência de Trio Parada Dura e de Barrerito para quem gosta e toca música sertaneja”, diz a líder, Adriana Sanchez.
 
O Barra da Saia faz o chamado “Roça’n Roll” (caipira+country+rock) e viaja pelo país para divulgar o terceiro CD. E nestes shows... “As Andorinhas’ está sempre no repertório e gravamos ‘Fuscão Preto’”, lembra Adriana, sobre outro sucesso do Trio.

 

Confira artistas da nova geração da música sertaneja que tiveram influência de Barrerito:

 

 

 

 

Entrevista
 
“Sertanejo urbano” é abordado em livro do historiador Gustavo Alonso
 
Lançado recentemente, o livro “Cowboys do Asfalto – Música Sertaneja e Modernização Brasileira” (Editora Civilização Brasileira, 560 páginas, preço médio: R$ 65), do historiador Gustavo Alonso, cita a importância de Barrerito para este que é um dos ritmos mais populares do país. “Cowboys do Asfalto” aborda a tensa relação dos sertanejos diante da tradição e da modernidade. É de Alonso, ainda, a biografia “Simonal – Quem Não Tem Swing Morre Com a Boca Cheia de Formiga” (Editora Record)
 
A seguir, confira a íntegra da conversa do autor com o Hoje em Dia:
 
Qual a importância do músico Barrerito para o sertanejo?

Barrerito, que aliás era fluminense (nascido em São Fidélis), é um personagem muito importante da história sertaneja, em parte esquecido. Ao integrar o Trio Parada Dura e gravar o primeiro disco "Castelo de amor" (1975) só conseguiu sucessos ascendentes, tornando-se referência no meio. Clássicos da música sertaneja como “As andorinhas”, “Bobeou... a gente pimba”, "Fuscão preto" e “Telefone mudo” foram gravados pelo famoso trio, que tinha em Barrerito sua principal voz.
 
Como se deu a mistura de ritmos no repertório do Trio?

O Trio Parada Dura foi adepto da importação de ritmos estrangeiros, especialmente a guarânia paraguaia, o chamamé argentino, o bolero e a rancheira mexicanos, além do rock dos Beatles, fundindo padrões estéticos importados a ritmos locais. A tal ponto o trio foi influenciado pelos sons latinos que Barrerito mudou seu nome para se adequar à estética importada. Inicialmente o nome artístico de Élcio Neves Borges era Barreirinho. Antes de cantar com o Trio Parada Dura, fazia dupla com o irmão. Influenciado pelas rancheiras e pelos boleros mexicanos, achou por bem dar uma “espanholada” no nome, como ele mesmo disse, e passou a se apresentar como Barrerito. Os sucessos na linha da guarânia e da rancheira vieram rapidamente.
 
Qual foi o impacto do acidente para a vida artística para Barrerito?

Em 1982 o trio sofreu um acidente de avião que deixou Barrerito paraplégico, enquanto os outros nada sofreram. A partir daí a carreira de Barrerito entrou em conflito com os amigos, que o viam, segundo o próprio Barrerito, como um estorvo. Barrerito saiu do grupo em 1987 e começou a carreira solo. Compôs muitas canções que falavam de sua condição de cadeirante, como "Maldito avião", "Cadeira amiga", "Morto por dentro", "Onde estão os meus passos". No primeiro LP solo apareceu na capa finalmente em sua cadeira de rodas, algo que o trio fazia questão de esconder nos discos do grupo. Barrerito morreu em 1998 em Belo Horizonte, aos 56 anos de idade, ainda bastante amargurado com sua condição e solidão. Sem ele, o Trio Parada Dura se desfez em desentendimentos em 1992. A indústria fonográfica e os próprios artistas não puderam se aproveitar do auge do gênero pelo qual o trio batalhou desde os anos 1970. O Trio Parada Dura retomou a carreira em 1999, passado o auge (dos anos 90) da música sertaneja, sem nunca resgatarem a fama de outrora. O irmão de Barrerito, intitulado Parrerito, substitui-o desde 1987.
 
Em que "Cowboys do Asfalto" acrescenta sobre a evolução da música sertaneja no Brasil?

O livro revela as disputas entre diversos setores da música rural brasileira, de caipiras a sertanejos. Inezita Barroso dizia que a dupla Milionário & José Rico "não tem nada a ver com os valores do homem do interior". Zezé Di Camargo já chamou os sertanejos universitários de "mentira marqueteira" em 2009. Meu livro aborda a tensa relação entre tradição e modernidade no campo brasileiro. E também mostra as disputas e associações desses artistas rurais com os outros gêneros musicais brasileiros, do samba à bossa nova, da MPB ao rock nacional, da tropicália à Jovem Guarda. O livro deixa claro que a música sertaneja tem uma história que se encaixa na história do Brasil. Pela primeira vez uma obra de peso não ignora esta tradição profundamente brasileira e mostra como os sertanejos viveram os últimos 50 anos de história do Brasil, apontando como eles lidaram com a modernização, urbanização, industrialização do país, bem como com a ditadura e a redemocratização que vivemos.
 
Hoje, quem canta a verdadeira realidade do homem do campo?

Certa vez Xororó respondeu essa pergunta: "Não adianta a gente cantar a música sertaneja pensando naquele público que não existe mais, do lampião a querosene. A gente adora falar do laço, da poeira, isso é muito bonito, mas nas fazendas já tem videocassete, micro-ondas e parabólica". Todos os artistas rurais falam da realidade do campo. Mas é preciso perceber que o campo mudou, e se se mudou o modo de falar dele é por que não podemos ignorar as mudanças estruturais que vivemos.
 
Há alguma música ou disco que você goste de colocar "na vitrola" para curtir?

Apesar de nascido em Aparecida do Norte (SP), me criei em Niterói (RJ). Não fui criado com a música sertaneja entre as minhas primeiras audições. Ao longo da pesquisa fui ouvindo canções que já tinha escutado, mas não sabia sua história. Fui aprendendo a gostar. Como em todo gênero, gosta-se mais de alguns artistas e menos de outros. Gosto especialmente de Victor & Leo. Acho "Borboletas" (2008) um dos melhores discos dos anos 2000. Gosto de João Bosco & Vinícius. Gosto de Teló. Gosto de Trio Parada Dura.
 
Do Trio Parada Dura a Paula Fernandes, qual é a importância de Minas Gerais na música sertaneja?

Como falar de música sertaneja e não se lembrar do clássico “Chico Mineiro”, gravada por Tonico & Tinoco em 1946? E da cidade de Ouro Fino, de onde vinha o personagem cantado pela dupla? Minas Gerais é berço de vários artistas, entre eles de Mangabinha, do Trio Parada Dura, que é de Corinto. Paula Fernandes, é de Sete Lagoas; Milionário, de Monte Santo. Minas também é a terra de Pena Branca e Xavantinho. Eles foram criados na Região de Uberlândia no Triângulo Mineiro. E os atuais Victor & Leo, oriundos de Abre Campo, estouraram inicialmente em Uberlândia, para depois alcançar sucesso nacional. Como não se lembrar também das diversas duplas que tem o "mineiro" no nome, como Mineiro & Manduzinho e João Mineiro & Marciano. João Mineiro nasceu em Andradas. Mineiro veio a falecer em 1958, ocasião em que a dupla já havia se desfeito. Com a morte do Mineiro, Teddy Vieira compôs juntamente com Piraci a toada "Adeus do Mineiro" que foi a gravação de estreia da dupla Zilo e Zalo, em 1959. Minas é nosso primeiro interior de fato. Foi por onde o Brasil se interiorizou criando raízes, ainda no século 18, forjando uma cultura que se tornou matriz de nossa identidade interiorana. Os sertanejos remodelaram esta identidade, cada um à sua maneira, apropriando-se dos valores tradicionais e adaptando-os ao seu modo de ver a modernidade.
 

Canções famosas do “Cantor das Andorinhas”:

 

 

- “Meus amigos, se nesse momento alguns de vocês me perguntassem: onde estão os meus passos? Eu não saberia dizer. Mas em nome de Deus, eu agradeço e peço, que cada fã, cada amigo, cada irmão, que dê um passo por mim, porque eu não sei onde estão os meus passos”. (Introdução de “Onde Estão Meus Passos”, composição de Barrerito, Carlos Randall e Nilza Carvalho. Nilza também foi companheira de Barrerito nos anos 1980 e conta algumas das memórias ao lado do sertanejo no blog nilzacarvalhobarrerito.blogspot.com.br)

- Na web, vários fã-clubes e sites independentes ainda rendem homenagens ao "Cantor das Andorinhas" e ao Trio Parada Dura. Entre eles estão os endereços: facebook.com/ocantordasandorinhas, facebook.com/barrerito.trio e facebook.com/TrioParadaDuraPage.

 

Confira a galeria de imagens:
 

 

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