Em "O Voo", Denzel Washington é, ao mesmo tempo, herói e vítima

Paulo Henrique Silva - Do Hoje em Dia
07/02/2013 às 11:56.
Atualizado em 21/11/2021 às 00:48

(Divulgação)

Discreto como Steven Spielberg, que o apadrinhou no cinema em filmes como "De Volta para o Futuro" (1985) e "Uma Cilada para Roger Rabbit" (1988), Robert Zemeckis raramente expõe sua vida privada. Por isso é difícil saber se a crescente opção por histórias em que a mão divina se faz presente reflete uma busca pessoal do cineasta.

Seja qual for a resposta, não deixa de ser muita coincidência o fato de seus protagonistas ganharem uma revelação (por sinal, título de um de seus trabalhos) ou uma ajuda do além.

É o caso do piloto de avião Whip Whitaker, de "O Voo", principal estreia de sexta-feira (8) nos cinemas. Interpretado pelo experiente Denzel Washington, o personagem recebe uma segunda chance de se regenerar após uma tragédia.

É possível fazer um paralelo entre sua vida e o avião que sofre um problema mecânico e cai com 200 pessoas a bordo.

Sinal amarelo

Ambos seguem uma rota perigosa, mas a diferença é que, como piloto, Whitaker consegue fazer um pouso com o menor número possível de vítimas. Seria um herói se não fosse o fato de a investigação revelar que ele bebeu e se drogou antes da decolagem.

Embora sua conduta negligente não tenha provocado o acidente, é como se a tragédia acendesse um sinal amarelo: ou ele reflete sobre o que já perdeu, como a esposa, o filho e a namorada, e aceita ajuda; ou avança e se machuca ainda mais.

Após quase uma hora em que Zemeckis mostra de forma crível o acidente, a segunda metade do filme acompanha a resistência do piloto em admitir seu vício.

Ato de Deus

Enquanto o advogado vivido por Don Cheadle tenta livrá-lo das incriminações, destacando que uma das causas possíveis para o desastre tenha sido um "ato de Deus", personagens religiosos ressaltam o aspecto milagroso e a oportunidade que está sendo dada a Whitaker.

Esse é um dos problemas do roteiro, que é muito reiterativo, forçando a barra em direção a um final edificante.

Diretor volta a usar elementos "do além"

"O Voo" nunca sai da superfície, satisfazendo-se com o segundo tema do filme, em torno dos muitos tons de cinza entre uma mentira que não influenciará diretamente no esclarecimento sobre o acidente e a verdade que poderá dar prisão perpétua ao piloto.

Perde-se de vista os conflitos interiores do personagem – que, por algum motivo, passa a não prezar a vida ao mergulhar na vodca e na cocaína – para se tornar veículo dos Alcoólicos Anônimos (AA).

Os elementos "do além" já estavam presentes nas animações "Expresso Polar", "A Lenda de Beowulf" e "Os Fantasmas de Scrooge", que, aliado à experimentação tecnológica, carregavam mensagens moralizadoras.

"O Voo" se aproxima mais de "Náufrago", em que um acidente aéreo deixa um chefe de entregas rápidas sozinho numa ilha, obrigando-o a repensar o seu estilo workaholic.

O que dá força ao novo filme é a participação de Denzel Washington. Como em seus trabalhos mais recentes, mostra o outro lado da velhice estampada por Clint Eastwood em seus últimos filmes. No lugar da sabedoria e da aposentadoria, o passar da idade não faz melhorar o caráter, não diminui os erros e não significa que há um entendimento do que é a vida.

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