(Azucrina!)
Cinema é um tradicional lugar de muitas emoções, mas o sentimento que contagiou a plateia da “Mostra de Cinema de Tiradentes”, edição 2013, não foi provocado simplesmente pelo que estava sendo exibido na tela grande. antes mesmo de o filme “O Sol nos Meus Olhos” começar a ser projetado, as palavras da mãe de uma atrizes – Cecília Bizzotto, assassinada meses depois da filmagem, em 7 de outubro de 2012 – calou fundo nos presentes.
Comoção que deverá se repetir neste sábado (26), no Cine 104, na primeira vez que um dos últimos trabalhos de Cecília será exibido em Belo Horizonte, dentro da “Mostra do Filme Livre”, com a presença de familiares e equipe. A atriz, de 32 anos, foi morta por três homens que invadiram a casa da família, no bairro Santa Lúcia, interessados em dinheiro e joias.
Símbolo
Naquele fatídico dia, ao voltar para casa, Cecília, o irmão e a cunhada foram surpreendidos pelos ladrões. A atriz foi levada para o anexo, no qual morava. Ao perceber que a moça estaria tentando efetuar uma ligação através de seu celular, um dos bandidos disparou em seu peito.
Cecília não resistiu e virou símbolo da campanha “Nós na Paz”. “O filme tangencia essa tragédia. É difícil descolar um personagem de sua vida pregressa. Nesse caso ainda mais, criando uma relação forçada com o que aconteceu”, observa o ator Rômulo Braga.
Parceiro por cinco anos de Cecília na Companhia Lúdica, Braga interpreta, o filme de Flora Dias e Juruna Mallon, o companheiro da atriz. O personagem cai na estrada após a esposa cometer suicídio (cumpre dizer que o corpo da parceira o acompanha na empreitada, dentro de uma mala).
O fato de a personagem de Cecília morrer no filme não faz com que Braga enxergue, nesta “coincidência”, nenhum “aspecto macabro”. “Vejo de maneira lírica, como uma metáfora poética. O filme fala por si só e Ciça estará eternamente viva com ele”, destaca.
Diálogo pronto
Braga assinala que a morte da colega foi um “baque – com ou sem filme, sendo amigo ou não. “Ela tinha um potencial enorme”. O trabalho conjunto representou para o ator um feliz reencontro, devido à semelhança na forma de atuar. Por terem estudado artes cênicas e se formado na prática teatral com o diretor e dramaturgo Marcos Vogel, ele assinala que “os corpos cênicos tinham um diálogo pronto e desenvolvido”, sinergia que é um dos trunfos do filme.
Braga, por sinal, vem sendo cada vez mais cooptado pelo cinema. Um de seus trabalhos mais recentes, num papel importante, é o premiado “O que se Move”, de Caetano Gotardo. Essas escolhas partem principalmente de diretores estreantes em longas.
“Diretores mais novos proporcionam um encontro mais aberto, como possibilidade de renovação. Mas ainda acho que estou fazendo pouco cinema. Foram filmados de forma espaçada, mas estão chegando juntos ao cinema”, pondera.
Filme narra a trajetória de um ser ‘perdido no mundo’
O clima reflexivo de “O Sol em Meus Olhos” se deve muito à leitura das poesias de Ana Cristina César, um dos principais nomes da geração mimeógrafo da década de 70, que cometeu suicídio aos 31 anos, jogando-se da janela do oitavo andar de um edifício no Rio de Janeiro.
“A Flora Dias (diretora) se inspirou muito nela para fazer o filme, construindo essa pessoa que está meio perdida no mundo. Ele perde seu chão após a morte da esposa. O que a Flora quer tratar é justamente essa falta de preenchimento”, registra Rômulo Braga.
Seu personagem foi moldado durante o próprio desenvolvimento do filme, uma experiência que o ator espera repetir outras vezes. “Não é que desgosto da outra maneira, do ator objeto, mas o ator como sujeito me interessa muito”, destaca.
Diretores de fora
Em “As Horas Vulgares”, de Rodrigo Oliveira e Vitor Graize, ele experimentou um misto desses dois processos. “Eles chegaram com um roteiro muito minucioso, mas, ao irem para o set, estavam completamente abertos ao que poderia surgir”.
O filme é uma produção do Espírito Santo, enquanto “O que se Move” é de São Paulo. “Mutum”, um de seus primeiros trabalhos no cinema, foi filmado em Minas Gerais, embora tenha a assinatura de uma diretora carioca (Sandra Kogut).
“É curioso: quase não faço cinema em Belo Horizonte. Tenho muita vontade, o que já deixei claro para todo mundo”, avisa.
Sua carreira cinematográfica fora do Estado deve muito à peça “Aqueles Dois”, do grupo Luna Lunera. O espetáculo percorreu o país, chamando a atenção para a atuação desse brasiliense radicado há mais de 20 anos em Belo Horizonte. “As coisas aconteceram por casualidade. Estava em cartaz em Vitória quando o Rodrigo me viu. O Gotardo assistiu em São Paulo e primeiramente me convidou para o curta ‘O Menino Japonês’”, recorda.
Graduação
Braga observa que, se a Companhia Lúdica foi sua graduação no teatro, o Luna Lunera funcionou como uma pós-graduação em sua carreira. “Não imaginava que iria aprender tanto com os meninos, que apresentaram uma proposta minimalista e realista”, analisa.
No meio da semana ele participou da adaptação do filme “Sarabanda” (de Ingmar Bergman) para o palco do Grande Teatro do Palácio das Artes, sob a direção de Grace Passô e Ricardo Alves Junior. “Não é uma tradução fiel, pois trabalhamos a corporalidade e colocamos o texto do jeito que cabia na nossa boca”.
Cine PE começa com vertente internacional
Adaptação de conto de Fernando Sabino, o filme infantojuvenil “O Menino no Espelho”, de Guilherme Fiúza, será apresentado para o público, pela primeira vez, na próxima quarta-feira, dentro da mostra competitiva do Cine PE Festival do Audiovisual, em Olinda.
Um dos principais festivais de cinema do país, o programa pernambucano começa neste sábado, no Teatro Guararapes, com a exibição do filme americano “Grande Hotel Budapeste”, de Wes Anderson, que inaugura a vertente internacional do Cine PE.
Entre os concorrentes brasileiros de “O Menino no Espelho” estão “Romance Policial”, de Jorge Durán, “Mundo Desertos de Almas Negras”, de Ruy Veridiano, e “Muitos Homens num Só”, de Mini Kerti. Da Argentina vem “Todos Tenemos un Plan”, e, da Itália, “Anna Felici”.
Maioridade
A internacionalização do Cine PE, considerado o Maracanã dos festivais (devido à boa média de público presente no teatro de dois mil lugares), faz parte da chegada à “maioridade” do programa, que completa 18 edições.
O festival também representa o teste de fogo para “O Menino no Espelho”, única produção mineira em competição, que deverá estrear no circuito comercial nos próximos meses. O texto que inspira o filme traz as histórias vividas por Sabino, um dos maiores escritores do país, quando criança. O elenco tem Mateus Solano e Laura Neiva.