Festival Cura realiza pintura de quatro empenas e discute a arte urbana em BH

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br<EM><QA0>
Publicado em 21/07/2017 às 18:15.Atualizado em 15/11/2021 às 09:41.
 ( Flávio Tavares/Hoje Em Dia)
( Flávio Tavares/Hoje Em Dia)

Na “varanda” da rua Sapucaí, um dos mirantes mais simbólicos do hipercentro de Belo Horizonte, me encontro com as produtoras Juliana Flores e Janaína Macruz e com a artista visual Priscila Amoni. Responsáveis pelo Cura – Circuito Urbano de Arte de Belo Horizonte, as três observam os últimos momentos de uma paisagem predominantemente cinza e tediosa, já que o festival idealizado por elas vai promover, entre esta quarta-feira e o dia 6 de agosto, a pintura simultânea de quatro gigantescas empenas que podem ser vistas da Sapucaí.

As empenas são fachadas laterais cegas de grandes edifícios. “Antigamente, os prédios tinham essas laterais cegas para que pudesse ser construído outro prédio ao lado. Mas isso foi proibido e as empenas continuaram aí”, explica Juliana Flores. “Concretos imensos, que reforçam o cinza da cidade”, completa Priscila Amoni.

A junção entre o incômodo com o cinza e a vontade de pintar em proporções colossais despertou o olhar dos artistas urbanos para as empenas. “É o máximo do gratuito, do acessível. Todo mundo vê, de diferentes lugares”, diz Amoni. “Nas pesquisas, vimos que não existe no mundo um mirante onde é possível avistar, de um mesmo ponto, todas as obras de um festival. E isso é possível em BH, onde temos vários pontos assim, inclusive no Centro. Então, definimos o recorte visual da rua Sapucaí”, explica Flores.

A partir daí, começou um trabalho de mapeamento e produção que chegou a quatro empenas, com dimensões de até 50 metros de altura e 37 metros de largura. “O que orientou o mapeamento foi o visual. Queríamos que todas as empenas fossem vistas da Sapucaí. Vínhamos para o mirante e ficávamos olhando, tirando fotos, tentando adivinhar onde estavam os prédios”, conta Flores.

Priscila Amoni

MÃO NA MASSA – Amoni e os outros três artistas começam a pintar nesta quarta

Na primeira edição do Cura, além de Amoni, participam o também mineiro Thiago Mazza e outros dois convidados: a dupla cearense Acidum Project, formada por Tereza Dequinta e Robézio Marqs, e a artista espanhola Marina Capdevilla. Todos os artistas irão pintar as maiores superfícies de suas carreiras. “É o maior desafio da minha vida. A escala é gigante e não tem como tomar distância para ver o processo. Estou me preparando ao máximo”, afirma Amoni, que pintará a empena do Hotel Jordão, na rua Rio de Janeiro.

Para Macruz, o Cura chegou em uma interessante mistura de linguagens e técnicas. “A Pri traz uma pintura mais realista; o Acidum, mais figurativa, colorida; o Mazza, os animais; e a Marina, uma coisa mais caricatural”, reflete. “E são três mulheres, numa cena predominantemente masculina. O único festival de empenas que já aconteceu no Brasil, por exemplo, tinha 18 artistas e apenas uma mulher”, sublinha.

Inclusive, Flores revela que a equipe de trabalhos em altura que garantirá a segurança dos artistas é coordenada por uma mulher, Anne Salvi. “Isso vem da mistura entre o desejo de trabalhar com mulheres e o fato de ter várias talentosas à nossa volta”, diz. “Que bom que seguimos abrindo espaços em lugares historicamente dominados pelos homens”, finaliza. 

mirante da rua Sapucaí

EMPENAS – Do mirante da rua Sapucaí, avistam-se diversas laterais cegas 

Evento terá intensa programação de conversas e atividades

Além da pintura das empenas, o Cura contará com uma intensa programação de conversas e atividades paralelas. No mirante da rua Sapucaí, de onde espectadores poderão acompanhar as pinturas, haverá um bar provisório, criado em parceria com a Benfeitoria, que vai sediar debates, festas, feira de arte e projeções de filmes.

A produtora Juliana Flores destaca duas ações de pintura ao vivo que integram a programação – ambas de artistas mulheres. “Uma das pinturas será da artista Criola e acontecerá nesta sexta-feira, na Sapucaí. A outra é uma ação do Minas de Minas Crew, que reúne as grafiteiras mais antigas de BH. Elas pintarão uma parede próxima à escadaria de acesso ao metrô, no dia 5 de agosto”, afirma.

Sobre as rodas de conversa, Flores ressalta que a ideia é misturar diferentes olhares sobre arte urbana. “Teremos uma mesa com o Onesto, artista de São Paulo que é referência do graffiti nacional; o Goma, famoso pixador e artista urbano de BH; e a Michele Arroyo, presidente do IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais)”, adianta. “Também faremos outra mesa só com mulheres grafiteiras para falar da presença delas na cena”, completa a produtora.

Janaína Macruz lembra que o resgate histórico do graffiti em BH também está na pauta. “Outra mesa legal trata da história da arte urbana em BH, e vai contar com o Roger Dee, que é DJ e foi um dos primeiros grafiteiros da cidade”, conta. “Na festa de encerramento, o artista Surto, da Fluxo Galeria, vai promover o Confronto Urbano, que é um duelo de tags (assinaturas de grafiteiros)”, completa Flores.

Para Priscila Amoni, o Cura chega num momento de profusão da arte urbana na capital mineira. “BH está na onda de ser uma capital que acolhe o graffiti, o que vemos pela própria prefeitura, que vai lançar dois editais sobre arte urbana”, reflete. “Esperamos que o Cura abra caminhos e incentive outros produtores a criarem projetos nesse sentido”, completa.

Flores assinala, ainda, que o festival já prepara sua segunda edição. “Já temos duas empenas autorizadas e estamos mapeando outras. Vamos ‘envelopar’ a Sapucaí toda”, brinca. Para ver a programação completa do Cura, acesse fb.com/curafestival.

Além disso

É difícil encontrar um belo-horizontino com mais de 20 anos que não se lembre dos murais gigantescos em empenas do Centro da cidade – como o de Tiradentes, que era visto por qualquer um que viesse da avenida do Contorno em direção à Praça da Estação. Por isso, em paralelo à programação do festival, o Cura vem resgatando a história dessas famosas arquiteturas (pelo menos sete), que foram produzidas pelo francês Hugues Desmazieres, entre 1985 e 1995. O trabalho está sendo realizado pelo coletivo Área de Serviço, que divulgará o resultado da pesquisa em vídeos e conteúdos diversos nas redes sociais do Cura. “Queremos mostrar a necessidade de recuperar esses murais, que são um patrimônio nosso, fazem parte da memória de Belo Horizonte e estão totalmente deteriorados”, afirma Priscila Amoni. Janaína Macruz ressalta que, assim como as obras de Desmazieres, as empenas que serão pintadas no Cura tornarão-se parte da memória estética da capital mineira. “Vamos transformar essa linda paisagem da rua Sapucaí num grande mirante de arte, gratuito e a céu aberto”.

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