(A2 FILMES/DIVULGAÇÃO)
Em “A Verdadeira História de Ned Kelly”, disponível a partir de hoje nas plataformas digitais, o diretor Justin Kurzel comprova a predileção por personagens que transitam entre a loucura e a razão a partir de um cenário sujo e uma fotografia expressionista, que estampam uma realidade propícia ao descontrole e à sanguinolência.
Foi assim como “Macbeth”, adaptação da obra homônima de William Shakespeare, em que Kurzel evidencia um rei atormentado, preso a um passado do qual não pode se livrar. Assim como a história do rei escocês, Ned Kelly não é mostrado como vítima, mas sim como um sintoma de uma sociedade pautada pelo caos.
Começamos a história já em meio à tormenta, em que fica claro que o garoto Kelly não terá escolhas, sempre tragado por uma sina familiar. A relação dele com a mãe é tão doentia quanto a de Macbeth e a esposa gananciosa. Os equívocos resultantes desta junção jamais serão apagados, criando uma panela de pressão social.
Ned se tornou um lendário criminoso na Austrália do fim do século XIX, com proezas que, como o crédito inicial do filme faz questão de enfatizar, uma ficção dificilmente alcançará. O que talvez explique muitas das escolhas de Kurzel, como a atmosfera de filme de horror, endossada por cenários bizarros e posições de câmera angulosas.
Ninguém parece normal àquela realidade, num lugar ermo da Austrália para onde vão exilados irlandeses e policiais corruptos, que vivem uma falsa harmonia. A primeira cena já mostra o pequeno Ned assistindo a mãe fazendo sexo oral num sargento, com o pai próximo à casa e num estado de progressiva loucura.
Em “Macbeth”, as relações familiares também estão longe de serem saudáveis. O amor e o sexo ganham significados doentios. Como neste filme, “Ned Kelly” também vai discutir questões de linhagem e hereditariedade, de uma maneira menos nobre, por assim dizer. Ser um Kelly se torna uma maldição.
A partir deste viés, é possível criar empatia pelo personagem. Mesmo no momento em que vira criminoso e monta uma gangue, o mundo que o cerca parece mais nocivo e desalentador. Os obscuros labirintos da mente humana são explorados como nos dramas de Shakespeare, em que o homem surge fadado ao fracasso.