Com exceção de três rápidas sequências com figurantes, “Retrato de uma Jovem em Chamas”, em cartaz nos cinemas após concorrer ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, não exibe nenhum homem em cena.
Essa ausência é muito significativa numa história sobre o amor de duas mulheres numa ilha isolada francesa do século 18, poucos dias antes de uma delas iniciar os preparativos do casamento com um homem que nunca viu.
A questão do olhar é de suma importância para o desenvolvimento da narrativa, a partir da pintora ( Noémie Merlant) contratada para fazer um retrato de uma jovem (Adèle Haenel) que acaba de sair do convento.
A garota se apaixona pela pintora, impulsionada pelos olhares de quem precisa extrair todas as informações visuais para fazer sua obra. Esta também é desmascarada, ao deixar de “enxergar” a verdade de seus sentimentos.
Além de diálogos pontuados constantemente por esta troca de olhares, a fotografia é fundamental para dar intensidade a este amor proibido, como se nos levasse a contemplar a criação de um quadro em particular.
Liberdade
Cada olhar se soma à construção de uma relação que surge como o último momento de liberdade da jovem prometida e que mexe com a razão da artista, que acreditava já ser experiente o suficiente para encarar qualquer surpresa.
A ilha se torna lugar de exílio, a antessala para a “morte” de uma mulher contrária às convenções sociais. E também uma espécie de paraíso, onde o amor pode surgir em sua plenitude sem qualquer interferência externa.
A diretora Céline Sciamma concebeu um filme que, em sua simplicidade (poucos personagens e locações), evoca muitos ingredientes ricos do universo feminino, casados, por exemplo, aos quatro elementos da Natureza: fogo, terra, água e ar.
Para ficar apenas em dois deles, o fogo está expresso no título e numa das mais belas cenas do longa, em que mulheres estabelecem um ritual ao redor de uma fogueira; enquanto a água se faz presente no mar que separa o sonho do real.