Uma das melhores definições sobre a primavera veio de Cecília Meirelles, que escreveu ter aprendido com a estação a deixar-se cortar e voltar sempre inteira. Em outras palavras, renovação. E as flores, símbolo maior dessa época, têm sido usadas para reforçar esse desejo de mudança, não só individual como coletivo.
Algumas iniciativas nascidas em Belo Horizonte recorrem às perfumadas e coloridas plantas para tirar a população de uma rota de negativismo e violência.
Para o coletivo Dedos Verdes, as flores são uma forma de levar alegria a transeuntes anônimos, em busca de uma cidade mais feliz – e não só na primavera.
Em troca de uma flor, a única coisa que o coletivo – formado por estudantes universitários – espera receber é um sorriso. Sem imaginar que se trata de uma gentileza, pessoas apressadas costumam recusar e outras indagam pelo valor. Em uma de suas últimas ações, num universo de mil indivíduos abordas, 98 disseram “não”.
“Vivemos em uma época em que nos acostumamos com atos egoístas e nos esquecemos de pequenas gentilezas que podem ser praticadas a todo momento, mesmo com pessoas desconhecidas”, observa Alex Braga, fotógrafo que acompanhou três dessas intervenções urbanas a convite do Dedos Verdes – as fotos que ilustram esta página foram feitas nessas incursões.
Como era a primeira vez que se envolvia com um trabalho voluntário, Braga não sabia o que esperar e ficou surpreso ao perceber como as pessoas se sentiam felizes com aquele gesto. “Em um primeiro momento, eu desacreditava que pudesse ser transformador. Foi um ato extremamente simples, mas significativo para boa parte daqueles que receberam”.
Pura gentileza
O fotógrafo assinala que muitas pessoas abordadas pareciam não acreditar que estavam sendo alvo de pura e simples gentileza. “Muitos estranhavam aquele presente inesperado. Era a reação mais comum. Mas logo depois vinha um sorriso de gratidão, às vezes seguido até de um abraço”, detalha Braga.
Ao clicar as abordagens na rua, ele se viu pela primeira vez sem a menor ideia do que viria pela frente. “Simplesmente me deixei ser levado pela emoção do momento. Em muitas das fotos não me preocupei em revelar a identidade das pessoas, pois parte da ideia era demonstrar que boas ações podem ser direcionadas de qualquer um para qualquer um”.
A vontade de Braga era de que as imagens não servissem como documentação fria e distante, mas que permitisse que se sentisse o impacto das ações. “Foi um trabalho mais emotivo do que factual, uma experiência enriquecedora que contribuiu para mim não só como fotógrafo, mas muito mais como pessoa”, registra.
Mudas e flores de papel crepom por um mundo melhor
As flores podem ser de crepom, feitas artesanalmente, mas o intuito é o mesmo de quando uma planta de verdade é entregue a alguém: o que se espera do outro lado é uma reação que mistura surpresa e alegria, enxergando com otimismo a possibilidade de a humanidade colocar um freio em tanta violência semeada pelo mundo.
“A nossa vontade é que o planeta se transformasse num imenso jardim”, afirma a fotógrafa Eliane Velozo, uma das participantes do projeto de arte pública “Manifesto das Flores”, idealizado em 1998 por Severino Iabá, um artista plástico e educador que trocou a pernambucana Surubim por Belo Horizonte há 20 anos.
Eliane já perdeu a conta de quantas flores brancas de crepom foram entregues nas muitas intervenções urbanas realizadas em Minas Gerais e em outros Estados do país. Mas lembra com carinho da vez em que 30 mil rosas foram confeccionadas e distribuídas em diversos espaços públicos da região metropolitana de Belo Horizonte.
“As flores carregam uma mensagem de paz. As brancas, em especial, simbolizam a diminuição da violência nas cidades”, observa a fotógrafa, que reuniu farto material fotográfico na exposição “Manifesto em Flor”, que tem hoje o último dia de visitação no Centro Cultural UFMG (av. Santos Dumont, 174, Centro). A despedida será marcada pela fuga do boi rosado, a partir das 10h.
Juntamente com Iabá e com o músico Jorge Dissonância, Eliane já levou as intervenções à Gonzaga, terra natal do eletricista Jean Charles, assassinado por engano pela polícia inglesa em julho de 2005; à praia de Copacabana, durante a Rio+20, realizada há dois anos; e até mesmo à Itália, quando foi lembrada a participação brasileira na Segunda Guerra.
Além das flores de crepom, feitas com pouco material (papel crepom e palito de churrasco) e ensinadas em oficinas promovidas pelo projeto, o grupo também já distribuiu milhares de mudas de árvores nativas. “Nossas atividades estão sempre relacionadas à questão ambiental”, registra.
Uma de suas “brigas” é contra o corte indiscriminado de árvores. “Cansamos de reclamar sobre esse corte de árvores na cidade, feito com o aval do poder público. As autoridades não conseguem nos dar uma explicação para esse corte radical de nosso verde”, lamenta Eliane, que também já participou, na Argentina, de projeto de resgate da memória da época da ditadura, intitulada “Senha Aberta”.
O cortejo folclórico com o boi rosado – criado em homenagem ao escritor Guimarães Rosa e que leva dezenas de flores rosas – sairá do Centro Cultural em direção ao Parque Municipal, onde haverá doação de 200 mudas de árvores e lançamento do CD “Rei-Boi-Liço Rosado”, com dez músicas assinadas por Dissonância e Iabá.