Fruto de iniciativa da comunidade, centro cultural em BH abriga, além de Biblioteca, oficinas de rap

Vanessa Perroni - Hoje em Dia
01/02/2015 às 09:04.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:51

Ao chegar ao Aglomerado da Serra, região Centro-Sul de Belo Horizonte, e perguntar onde fica a biblioteca comunitária, a resposta vem rápida: “Lá na Favelinha”. O espaço – de, no máximo, oito metros quadrados, com uma singela placa na porta (“Empresto livros”) – abriga mais de 2 mil títulos de diversas vertentes literárias e muitos sonhos.

Há quatro meses funcionando na movimentada rua Doutor Argemiro Rezende Costa, o “Centro Cultural Lá da Favelinha” é resultado de uma luta antiga do jovem rapper e poeta Kdu dos Anjos por um espaço cultural na comunidade. “É consequência de uma oficina de que iniciou há seis anos e tomou grandes proporções”, comenta Kdu.

O formato de oficina já não comportava os anseios dos jovens que participavam das aulas que ocorriam às segundas e quartas-feiras. Frutos de uma geração inquieta, Kdu e alguns amigos, então, se juntaram para dar vida ao espaço.

O “Lá na Favelinha” funciona em local parecido com uma lojinha, mas a moçada colocou a mão na massa para acomodar as publicações doadas por grupos de teatro, centros comunitários e amigos. O Giramundo, grupo de teatro de bonecos, foi um dos que contribuiu pra preencher as prateleiras com livros de história da arte. “Temos desde gibis, literatura brasileira, autoajuda, literatura cristã até Kafka”, lista Kdu.

Na base da confiança

O empréstimo dos livros é realizado na “base da confiança”. Não há nenhum tipo de cadastro ou prazo de entrega, e Kdu garante que nunca houve problemas quanto às devoluções.

Para a artista Alcione Cristina, ou apenas Cysi, a grande satisfação é ver as pessoas da comunidade falando sobre leitura e levando livros para casa.

“Muitos me param na rua para dizer que mais tarde vão passar no centro cultural e pegar um livro. Estamos levando conhecimento para eles. Isso é gratificante”, afirma a moça de 22 anos que auxilia na oficina de dança ministrada no espaço.

Não é só a biblioteca que movimenta o “Lá na Favelinha”. Os livros disputam espaço com oficinas de rap, dança de rua e encontro de beat box (duelo de dança de rua), ministrados por voluntários e que reúnem cerca de 30 alunos a cada edição. As aulas despertam a curiosidade de quem passa pela rua e muitos jovens iniciam os cursos para “matar a curiosidade”.

O dançarino Wellington Santos, mais conhecido como B-Boy Juninho, de 17 anos, conheceu o lugar por acaso. “Estava passando e entrei para saber se podia participar”, conta ele, que iniciou na dança aos oito anos, e agora ministra a oficina de dança de rua no centro cultural os sábados. “Aqui fiz muitas amizades. O pessoal me acolheu super bem. Busco trazer o que tem de mais novo no universo da dança”, frisa.

B-Boy conta com a ajuda de Cysi para ministrar a oficina. Apesar de “estar aprendendo também”, a moça faz questão de dar uma “forcinha” para o colega. “Aqui é assim, tudo na parceria. Tenho pouco conhecimento em dança, sou uma aprendiz, mas ajudo no que posso”, conta ela, que já participou de oficinas do programa Fica Vivo e outras iniciativas.

“Todos os envolvidos com o Centro Cultural já tiveram algum contato com a arte”, ressalta.

‘Já não sei mais quantos livros eu peguei aqui’

“A menina mais bonita da rua e que mais pega livros”, assim o rapper Kdu dos Anjos descreve a pequena Duda, de sete anos. A menina tímida de sorriso largo é vizinha do “Lá na Favelinha”. Esperta, ela aproveita a proximidade para devorar gibis e livros infantis. “Já não sei quantos livros eu peguei aqui na biblioteca”, afirma a garota.

Além de ávida por livros ela ainda frequenta as oficinas de dança. “De vez em quando, venho dançar. E gosto de ajudar o Kdu e a Cysi nas oficinas”, diz Duda, explicitando a admiração pelos idealizadores do espaço cultural.

Além de levar informação e cultura para a comunidade, o “Lá na Favelinha” é uma oportunidade para os jovens aplicarem seus conhecimentos. Caso do estudante de publicidade Luiz Felipe de Oliveira, de 22 anos. Frequentador de todas as oficinas, ele utiliza o aprendizado que adquire na agência experimental da faculdade para ajudar.

“Hoje atuo na área de comunicação e organização dos eventos do ‘Lá na Favelinha’. Cuido das redes sociais e outros aspectos ligados a este setor”, comenta, orgulhoso.

Para a estudante de artes e dança Rafaela Oliveira, de 18 anos, a iniciativa é inspiradora. “Ver alguém juntar os amigos e tornar um projeto desse realidade é muito bacana. Estou encantada em ver a comunidade interagindo com eles”, comenta a moça, que mora no Barreiro. Ela conheceu o “Lá na Favelinha” na semana passada, por intermédio de uma amiga. “Agora que sei o caminho vou voltar sempre”, garante.

É perceptível que o espaço agrada aos que se aventuram a conhecê-lo. Mesmo pequeno é palco para shows de artistas locais. “Os rappers da comunidade muitas vezes se apresentam em um palco improvisado aqui dentro mesmo”, conta Kdu dos Anjos.

O rapaz não para de dar ideias. Diz que, em breve, vai inaugurar o Cineclube da Favelinha e organizar um sarau. “A onda é movimentar o espaço e a comunidade. É uma troca. Não podemos parar”, observa.

A comunidade já reconhece a ação dos garotos. Tanto que o evento de inauguração oficial do “Lá na Favelinha”, que ocorreu no dia 21 de janeiro, reuniu quase 200 pessoas. Apresentações de dança, leitura de poemas, duelo de MCs e outras atrações desenvolvidas em oficinas prenderam a atenção dos moradores.

“O espaço não comportou todo mundo e o público tomou conta da rua”, rememora Kdu, que complementa: “Esse evento foi um termômetro pra nós. Agora é promover outros”.

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