'Geração bocejo' troca fácil a balada por atividades culturais e artísticas

Elemara Duarte - Hoje em Dia
29/03/2015 às 08:45.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:26

Eles costumam passar as noites de sábado em casa. E as de sexta-feira também, assim como algumas manhãs de domingo. O singular (ou não) é que estamos nos referindo a grupos formados por pessoas de 20 e poucos anos, que, já de pronto, rejeitam qualquer conclusão precipitada de que estejam adotando comportamentos de gente “careta”. Para os jovens da chamada “geração bocejo”, hábitos de lazer mais tranquilos nada têm de entediantes.    “Nunca gostei do ambiente de boates. Já fui, na verdade, mais para evitar comentários do tipo ‘antes de falar que não gosta, tem que conhecer’. Mas prefiro evitar. Gosto mais de conversar, trocar ideias”, explica a estudante de engenharia civil Larissa Nathane Bento, 20 anos.   Larissa namora há três meses e conta que os três relacionamentos “sérios” que já teve foram com rapazes de quem já era amiga – ou, ao menos, com quem já conversava. Portanto, o mote “cair na balada para pegar geral” nunca teve serventia para ela.   Juntamente com os amigos – em torno de cinco, seis – eles assistem a filmes, jogam, dançam com videogames e tocam violão. No repertório, Raça Negra, MPB e... Legião Urbana! Na cozinha, pipoca e cachorro quente. Mas se rolar uma certa preguiça de ir para o fogão, o serviços de telepizza são a solução. “Quando falo que não bebo dizem que sou careta. Mas não ligo”, diz Larissa.   A estudante diz que com o estilo de vida mais “tranquilão”, acaba atraindo pessoas com afins. O mesmo acontece com a designer de moda Gabrielle Matsuri, 23, de Contagem. O apartamento, ela divide com seu filho Rhavi (“deus do sol”, em sânscrito), os pais, os dois irmãos, sobrinhos, amigos e mais amigos e o gato de estimação. Gabrielle já assumiu, nas redes sociais, ser da geração bocejo. No que foi pra lá de aplaudida (“curtida”).   E como em uma típica “casa mineira”, tudo começa na cozinha. Ela organiza, por exemplo, o “Dia da Cozinha Japa”, com o “Takoyaki da Gabi”, bolinho de polvo frito. Há também o “Dia da Comida Mineira” – franguinho com quiabo e pão de queijo – além do “Dia do Cupcake”, “do bolo”.    “Os amigos pedem. A gente fica conversando, comendo e vendo filmes enquanto cozinho, costuro e desenho. Tenho uma amiga que vem só para desenhar”. De vez em quando, Gabrielle sai para tomar uma cerveja. “Mas casas noturnas, não vejo graça”. Aos que a olham com desconfiança, ela garante: Minha vida não rima com tédio, mas com tranquilidade”.   Para sociólogo, engana-se quem pensa que o fenômeno é novo   A expressão “geração bocejo” começou a ser discutida recentemente, a partir de uma reportagem publicada no jornal britânico “The Telegraph”, que tentou decifrar a “ascensão” do fenômeno. Segundo a matéria, para signatários desse grupo, vivenciar a tríade “sexo, drogas e rock ‘n’ roll”, que deu a tônica no final dos anos 60/início dos 70, não tem graça.   Mas alguns educadores fazem ressalvas a generalizações. “Pensar a juventude é pensar em uma categoria marcada pela diversidade e com alguns elementos comuns, que podem ser históricos. Daí o questionamento que faço com a tendência da imprensa para as generalizações: Gerações Z, Y ou, agora, ‘geração bocejo’”, analisa o sociólogo, professor e integrante do Observatório da Juventude da UFMG, Juarez Tarcisio Dayrell.   Para ele, quando fala-se em “geração” é preciso pensar na totalidade de jovens nascidos em um período. “E isso (jovens de hábitos caseiros) não é algo novo. Na juventude dos anos 1980, havia aqueles que eram mais ousados e havia aqueles ‘nerds’, que a gente chamava de ‘CDFs’”, pontua.   Em tempo: atualmente contabilizando 60 anos, o professor acabou sendo questionado, pela reportagem, sobre a qual grupo pertencia na juventude: “porra-louca” ou “bicho-grilo”? “Eu passei minha juventude na ditadura, então, fui dos ‘contestadores’”, lembra.   Baladeiro ou caseiro, pegador ou romântico. É da natureza do ser humano ser diverso. E nisso Dayrell diz que há variáveis: origem social, espaço geográfico (o jovem do interior não é igual ao da capital), a questão étnica-racial, a questão de gênero.   O educador lembra que a mudança geracional atual é muito profunda, graças ao avanço da tecnologia, a partir dos anos 1990. Além disso, Dayrell mostra que tem havido uma escolha diante de “um ritmo e de uma velocidade hegemônica” e de muito apelo visual.   Vida mansa   “Há uma tendência, que não se resume ao que a matéria (do periódico britânico) diz, que é a tendência do ‘slow’, ou seja, do ‘devagar’. O ‘slow food’, por exemplo, que é fazer da refeição um momento de encontro, com algo mais saudável”. Além disso, exemplifica, há o “slow intelectual”, que é diminuir o ritmo na produção acadêmica, o que se contrapõe a uma demanda do própria capitalismo.   É neste tipo de “tendência” que a blogueira Luana Sarantopoulos se inclui. Mineira radicada em São Paulo, que também se assumiu como integrante da “geração bocejo” em seu blog, lulunopaisdasmaravilhas.com/. Resultado: vários comentários de adesão. Luana, agora, prepara um livro, com o título provisório de “Memórias de Uma Noiva de Santorini”, sobre a saga de uma jovem em busca do amor. Ela já viajou pelo mundo como mochileira e brinca que, na vida de casada, o que mais gosta, hoje, é fazer jus a à palavra usada para definir seu atual estado civil. Ou seja, ficar em casa.    Assistir aos ditos ‘filmes cult’ ou preparar uma ‘comidinha’ com amigos   Alguém aí pensou na palavra enfado? “De jeito nenhum, a gente se diverte muito. A gente prefere ser mais saudável e dormir bem”, explica Luana Sarantopoulos, garantindo que sim, se diverte muito sem botar o pé na rua numa noite de sábado, por exemplo. E no que a blogueira ocupa seu tempo quando está entre quatro paredes, no recesso de seu lar? “Preparando uma comedinha light, por exemplo”, enumera. Outra tarefa à qual ela não se furta é assistir a um título do escaninho dos chamados “filmes cult”. Se houver essa opção, ela nem titubeia: “A gente vai logo limpando a agenda e não sai da toca”.   Nem todo mundo ‘quer zoar’ no sábado à noite, como na letra de Lulu Santos   Não são poucas as músicas que exaltam o fato de os muitos jovens não resistirem aos convites para “cair na balada”. Caso de “Sábado à Noite” (o título já é quase autoexplicativo), do cantor e compositor Lulu Santos, que afirma, em sua letra: “Todo mundo espera alguma coisa/de um sábado à noite/Bem no fundo todo mundo quer zoar”. Não bastasse, ainda houve o megahit de Michel Teló, “Ai Se Eu Te Pego”, que versava sobre as baladas de sábado (“a galera começou a dançar”). A geração bocejo vem para dizer que não, não é bem assim... Não que os meninos também estejam afinados com músicas como “Lazy Song”, por exemplo, sucesso de Bruno Mars que faz uma bem humorada ode à preguiça – é uma brincadeira, vamos frisar. Na mesma linha, “Je Reste au Lit”, de Pascal Parisot, também falava da opção de ficar em casa, já que não se pode mudar o mundo. A geração bocejo, vamos cravar, não entregou os pontos. Apenas ampliou seu leque de opções para os finais de semana.   Perfil no facebook reproduz notícias veiculadas em jornais que narram episódios de violências em festas   O perfil facebook.com/EuodeioBalada vai logo explicando, na descrição da página: “Para você que, como eu, não gosta desses lugares por serem poços de vaidades, nos quais as cartas estão marcadas sobre quem se dá bem ou se ferra, onde prevalece disputas de poder”. Nas postagens – que, vale dizer, são anônimas – um garoto (ou garota) não se furta a reproduzir notícias e artigos publicados em vários veículos de comunicação, que narram episódios de violência ocorridos em festas noturnas e outros tipos de balada.

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