Governo chinês tenta reeditar a traumática Revolução Cultural

Folhapress
01/01/2015 às 11:53.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:32
 (Christophe Ena)

(Christophe Ena)

O governo chinês decidiu mandar artistas para o campo para que eles se inspirem na vida simples dos trabalhadores a ter uma "visão correta da arte". A iniciativa, anunciada pela agência responsável pela censura no país, lembra o traumático período da Revolução Cultural (1966-1976), quando intelectuais e artistas sofreram perseguição e humilhações e milhões de pessoas foram enviados das cidades para ser reeducados em áreas rurais.   É mais uma ação recente do governo para reforçar o controle sobre a indústria cultural, marcado por episódios como a censura ao uso de trocadilhos em programas de TV para preservar a "pureza do idioma".   Meios de comunicação, artistas e a internet são alvos constantes da censura chinesa. Há bloqueios a transmissões televisivas, livros, filmes e páginas on-line com informações incômodas ao regime, como relatos sobre o massacre da praça da Paz Celestial, que vitimou entre 2.000 e 7.000 pessoas em 1989.   Em outubro, o líder chinês, Xi Jinping, reuniu artistas e fez um discurso que foi considerado o mais importante sobre o assunto desde um célebre pronunciamento de Mao Tsétung em 1942 sobre arte e literatura.   Diante de nomes consagrados, como o Nobel de Literatura Mo Yan, Xi defendeu a produção de uma "arte moral" inspirada no socialismo. O líder chinês criticou os artistas excessivamente comerciais que cedem ao "cheiro do dinheiro" e ainda bateu na arquitetura moderna, lamentando as construções "estranhas" que proliferaram nas cidades chinesas na onda da expansão econômica.   "Uma obra de arte deve ser como um raio de sol num céu azul, uma brisa de primavera que inspire as mentes, aqueça os corações, cultive o bom gosto e limpe os estilos indesejáveis", disse Xi, emulando o espírito maoísta.   TEORIA NA PRÁTICA   Agora, a retórica do líder será posta em prática pelo governo chinês. Inicialmente, os principais alvos da nova campanha de reeducação são as equipes de produção da TV estatal, de roteiristas a diretores e atores, responsáveis pelos programas mais assistidos do planeta.   Apesar da disseminação da internet no país, que tem mais de 600 milhões de usuários, a televisão ainda é a principal fonte de informação e entretenimento de boa parte da população, principalmente a de mais baixa renda.   Segundo o anúncio da Administração Geral do Estado para Imprensa Rádio, Filme e Televisão (órgão de censura oficial conhecido como Sarft na sigla em inglês), as equipes passarão pelo menos 30 dias por ano vivendo em "comunidades de base, vilarejos e locais de mineração para fazer trabalho de campo e experimentar a vida".   Embora a comparação com a Revolução Cultural seja inevitável, a China de hoje é muito diferente daquela em que Mao Tsétung governava, quando ninguém escapava do controle estatal.   Não se imagina possível hoje, depois de três décadas de abertura econômica, que milhões sejam mandados das cidades para o campo, como ocorreu na implacável perseguição a intelectuais que vigorou até 1976.   CERCO   A nova campanha do governo é, sem dúvida, mais uma indicação do estilo conservador de Xi Jinping, que apertou o cerco a dissidentes e opositores desde que chegou ao poder, há dois anos.   Mas a nova medida deve ter um efeito limitado, já que muitos artistas trabalham de forma totalmente desconectada do Estado, sem falar dos que são abertamente críticos ao governo chinês.   O exemplo mais célebre é o do artista plástico Ai Weiwei, famoso mundialmente tanto por suas obras como por seu ativismo político. Detido durante 81 dias em 2011, ele teve o passaporte confiscado e desde então continua proibido de deixar o país.   À reportagem o artista Gao Qiang, cuja obra é marcada pela exposição debochada do legado autoritário de Mao Tsétung, deixou claro o seu incômodo com a nova ofensiva de doutrinação do governo.  "É absurdo que o líder de um país queira interferir na produção artística", disse ele. "Parece que estamos vivendo um retorno ao passado".   O atual líder chinês sentiu na pele a Revolução Cultural, conhecida como a "década do pesadelo". O pai dele, Xi Zhongxun, era um alto quadro do Partido Comunista e foi preso, acusado de ser contrarrevolucionário. Na época com 15 anos, Xi foi mandado de Pequim para uma área rural, onde ficou sete anos vivendo entre camponeses.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por