(Divulgação)
Paulo César Pereio vive um estereótipo em “Iracema”, como um caminhoneiro machão que leva madeira da região amazônica para o sul do país. Mas isso pouco importa no contexto do filme, que, realizado em 1974, mostrava um Brasil que a ditadura não queria: miserável, corrupto e abandonado. A atuação de Pereio, na verdade, é uma provocação. Esse jeito espalhafatoso e falastrão era uma forma de “contracenar” com a população local. Lançado em DVD, o longa-metragem de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, realizado clandestinamente para uma TV alemã, é uma mistura de ficção e documentário. O lado ficcional fica por conta de Pereio e pela tênue construção de uma narrativa, em que uma garota pobre sucumbe-se à prostituição. Parece não haver outra alternativa à personagem-título, vivida por Edna de Cássia, que não tinha, na época, qualquer experiência com dramaturgia. RETRATO DO BRASIL O resultado é eloquente, com essa inabilidade oferece algo de inocente e aceitação diante da imposição de Pereio, que nega-lhe qualquer voz. Seu caminhoneiro, Tião Brasil Grande, é o representante do discurso oficial, defensor da rodovia Transamazônica, mas não pensa duas vezes em contrabandear madeira de lei. É a pintura de um Brasil que não corresponde à realidade, sensação ampliada por esses “encontros” de Tião com os nativos, que apenas reagem instintivamente. A vida segue nesse road-movie, como o rio e a estrada percorridos vários vezes pelos realizadores, mas os machucados não saram com a mesma rapidez da industrialização. Após ver Iracema suja e sem dente, Tião não lhe dá lugar na boleia do caminhão, partindo para o Sul, onde a garota sonha estar um dia. Talvez chegue lá. Talvez não.