Aos 40 anos, o deputado federal Jean Wyllys continua a dar vazão ao seu ativismo. E, desta vez, ele se vale das páginas do livro “Tempo Bom, Tempo Ruim” (Editora Paralela). Jean, que no ano passado foi eleito o melhor deputado federal do Brasil, escreve sobre minorias, manifestações, homofobia, política... e mescla tudo isso com lembranças de suas vivências pessoais. Assim, com seu constante jeito intelectual equilibrado com a aceitação publica assumidamente “pop” é que Jean Wyllys continua a dar a cara a tapa. Na conversa com o Hoje em Dia, de Brasília, ele sintetiza o tempo em que vive e a sociedade que representa e afirma: “Estamos numa encruzilhada”.
O que diz seu livro?
A novidade é que eu costuro minhas posições sobre o sistema. É um livro feito para a nova geração de leitores, não habituada com a mídia “livro”. É uma geração que fez leitores sobretudo nas redes sociais e que está redescobrindo e reinventando a política através desta relação comigo.
Já que estão redescobrindo, em que momento esta geração perdeu a relação com a política?
Eles são filhos de uma geração que foi despolitizada de maneira programática pela ditadura militar. Num período em que tudo era político, em que o aspecto político, no sentido filosófico, vinha na frente de tudo, a ditadura força as pessoas à uma despolitização, por meio da violência. Os anos 1980 se ressentiram muito com isso. Através de uma educação que se precarizou muito e até a maneira como a imprensa representa a política que afasta as pessoas desse aspecto político da vida. Mas a imprensa não faz esta representação partindo do nada. Óbvio que muito dos políticos eleitos são combustível para esta representação negativa.
Então é uma herança?
Há uma atuação pífia de alguns políticos que fazem com que a imprensa represente toda a política de forma negativa. Isso fez com que as pessoas, que também têm filhos, que ambos se afastassem da política. Com as redes sociais, há um retorno a este aspecto político, lento, mas dá um retorno. As manifestações de junho do ano passado são exemplo disso. O interesse das pessoas pelo meu mandato, a própria condução do que eu faço, sou um cara do meu tempo, tenho um apelo pop, isso é inegável. Eu sou um cara pop, que tem uma relação com a televisão, com a cultura de massa. Tenho atuação com as redes sociais e sei dialogar com as novas gerações e elas me acompanham. É um livro para essa geração.
E o título?
Tomei emprestado de uma música de Caetano Veloso (em parceria com Gilberto Gil). “Iansã”, que Maria Bethânia e Rita Benneditto gravaram. Na música, está com o sentido do clima mesmo. No livro, trago o tempo no sentido de período da história. Vivemos um período da história que é simultaneamente um tempo bom e ruim. É bom por causa da emergência dos novos atores sociais, pela organização de grupos que a gente jamais imaginou, fortalecimento da democracia através da tecnologia da informação, a emergência da música da periferia. Por outro lado, temos uma articulação do fundamentalismo religioso, a sombra desumana dos linchadores, a voz de uma reacionária na bancada de um telejornal. Estamos numa encruzilhada.
Tomei emprestado de uma música de Caetano Veloso (em parceria com Gilberto Gil). “Iansã”, que Maria Bethânia e Rita Benneditto gravaram. Na música, está com o sentido do clima mesmo. No livro, trago o tempo no sentido de período da história. Vivemos um período da história que é simultaneamente um tempo bom e ruim. É bom por causa da emergência dos novos atores sociais, pela organização de grupos que a gente jamais imaginou, fortalecimento da democracia através da tecnologia da informação, a emergência da música da periferia. Por outro lado, temos uma articulação do fundamentalismo religioso, a sombra desumana dos linchadores, a voz de uma reacionária na bancada de um telejornal. Estamos numa encruzilhada.
Como a gente faz para sair desse turbilhão de coisas?
Acho que é necessário fazer escolhas. Temos que optar por um caminho que leve à justiça social, à defesa da liberdade, ao bem estar de todos e à preservação das diversidades. É um caminho que eu acho que a gente poderia fazer.
É um turbilhão de assuntos... Quando o senhor chega à noite em casa, coloca a cabeça no travesseiro, lembra dos absurdos e as alegrias que presenciou, vem um cansaço?
Vem sim. Estaria mentido para você se dissesse que não me canso às vezes. Mas o cansaço não me tira a vontade, inevitável. Eu não seria humano se não cansasse, se não me ressentisse dos insultos, se não me ressentisse do débito que este país tem com seu povo na educação de qualidade, no respeito à vida e à diversidade.
Daquele menino de Alagoinhas (BA), onde o senhor nasceu, ao homem público que representa essa grande fatia da sociedade e que tem voz. Aparentemente são mundos muito distintos...
Só aparentemente. Fiquei em Alagoinhas até os 15 anos. Vivi boa parte da minha infância e adolescência na pobreza, sou filho de pais semialfabetizados. Meu pai era pintor de automóveis, não tinha emprego fixo, minha mãe lavava roupa para outras famílias. Fui para as ruas para trabalhar aos dez anos, mas nunca abandonei a escola. Mas ao mesmo tempo, minha mãe era católica, e eu me engajei no movimento pastoral da Igreja Católica. Eu e os meus irmãos pertencíamos a uma comunidade eclesial de base, orientada pela Teologia da Libertação.
Aí surgiu o ativismo...
Fui da Pastoral da Juventude Estudantil e essa minha relação foi que me deu consciência do meu lugar no mundo, do quanto era vítima de injustiças e do quanto tinha que lutar contra essas injustiças. Isso norteou a minha vida inteira a partir daí. Tive uma vida de ativismo, sempre. Desde a escola até o jornalismo, que foi uma escolha motivada por isso. Depois, como professor universitário no curso de Comunicação, a pós-graduação em Jornalismo e Direitos Humanos que construí para a Unijorge (Centro Universitário Jorge Amado).
Você já sentiu um pouco algoz em algum momento da vida?
Não... Também eu nunca fiquei no papel da vitimização. Eu sou vítima real da homofobia, era (vítima) da injustiça social. Mas nunca fiquei no papel do rancor. Não sou esse tipo de pessoa que alimenta o rancor. E nem acho que essas pessoas que foram premiadas pela vida têm que ser destituídas do que conquistaram porque eu não tive. Muito pelo contrário. As pessoas têm o que merecem, mas que todos tenham acesso a uma vida digna.
E nessa voz ativa que o senhor tem, o que já considera como conquista?
Vou dar um exemplo concreto. A gente ter conseguido aprovar um PNE (Plano Nacional de Educação) que garante 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a educação e eu ter me engajado nessa luta é um ganho muito grande. Eu ter aprovado uma lei que assegura o conteúdo de gênero nas escolas, na Comissão de Educação, é um ganho legislativo. Eu ter impedido que o projeto da “Cura Gay” prosseguisse, graças à atuação parlamentar, é um ganho. Do ponto de vista legislativo, temos ganho, do ponto de vista político, temos um ganho muito maior, na promoção do debate, levar as pessoas a se posicionarem e a pressionar por políticas públicas. O livro é uma extensão deste trabalho, deste debate.
Na sua rotina, o que lhe faz ficar ‘zen’?
Para relaxar, quando eu não quero pensar em nada, quando eu preciso de 40 minutos de cabeça vazia, eu ponho música e desenho animado. Pronto! “Bob Esponja”, “Os Padrinhos Mágicos” e música popular brasileira. Inclusive o povo aí de Minas, a Marina Machado, gosto muito de ouvir. A Bruna Caram, também gosto muito. Tudo é uma questão de manter “a mente quieta, a espinha ereta, e o coração tranquilo” (referência à canção “Serra do Luar”, do compositor paulista Walter Franco).