JK e a ditadura na visão de Carlos Heitor Cony

Elemara Duarte - Do Hoje em Dia
30/09/2012 às 13:45.
Atualizado em 22/11/2021 às 01:41
 (Arquivo Hoje em Dia)

(Arquivo Hoje em Dia)

Neste mês, mais precisamente no último dia 12 de setembro, foram lembrados os 110 anos do nascimento de Juscelino Kubitschek. Intencionalmente ou não, no início deste mês foi reaberto grupo de trabalho, em Brasília, para trazer à tona as investigações sobre a polêmica morte do ex-presidente “bossa-nova”.

JK morreu em 22 de agosto de 1976, durante acidente automobilístico entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Neste contexto, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, redator das memórias de JK, aos 86 anos, volta à cena editorial com “JK e a Ditadura” (Editora Objetiva). No livro, o autor reúne dois importantes livros que fez - “JK: Memorial do Exílio” (1982) e parte de “O Beijo da Morte” (2003). JK foi presidente do Brasil entre 1956 a 1961. Em entrevista ao Hoje em Dia, pelo telefone, do Rio de Janeiro, Cony diz que JK “morreu triste”, mas ainda com esperança de que o Brasil “ainda ia precisar dele”.


Por que relançar dois livros em um?

“Memorial do Exílio” era a continuação das memórias de JK, e foi escrito após a morte dele. Eu fui o redator final e o editor dessas memórias. O livro foi escrito em primeira pessoa. Fui apenas o ghost writer, como se costuma dizer. Os três primeiros livros estão na primeira pessoa: “A Experiência da Humildade” fala do nascimento dele até a prefeitura de BH; “A Escalada Política” passa pelo governo de MG até a presidência; e “50 Anos em 5” é sobre o governo dele. Eu parei aí. Aliás, ele parou no dia que passou o poder ao Jânio Quadros e foi para Paris descansar, como é de bom-tom, para deixar o sucessor à vontade. Foram seis anos de contato com ele.

Ele ditava as histórias para você?

Às vezes, ele fazia uns trechos. Depois da presidência de Jânio, ele entrou numa fase ruim. Teve uma crise conjugal muito grande, pois ele tinha uma amante, foi preso, teve os bens bloqueados, perdeu a mãe e a irmã, perdeu até uma eleição para a Academia Brasileira de Letras. A redação das memórias deu alguma satisfação para ele, pois pode desabafar tudo isso.

Mas ele se deprimiu com a má fase?

Deprimiu. Ele esperava ser eleito, mas houve uma campanha contra ele, porquanto a Academia estava em processo de obter empréstimo da Caixa Econômica. Os acadêmicos achavam que se elegessem Juscelino, o governo ia proibir a Caixa de fazer o empréstimo. Ele não foi eleito, a Caixa emprestou o dinheiro, fez um prédio de quarenta e tantos andares e hoje vive disso.

Ele morreu amargurado?

Ele morreu triste. Não vou dizer amargurado. Ele tinha ainda esperança. Ele morreu no período do Geisel (entre 1974-1979), presidente que tinha prometido abrir o regime de forma gradual. Depois veio Figueiredo (presidente entre 1979-1985), que revogou o AI-5. No início de abertura, muita gente dizia que o governo de JK faria o papel que o Tancredo Neves fez depois, na transição. JK achava que o Brasil ainda ia precisar dele. Ele evitou o processo de separação com a dona Sara por isso. Ele morreu, realmente, triste. Fizeram muita sacanagem com ele, que terminou na prisão. Virou um cidadão de segunda classe.

E a história de sempre cantar o “Peixe Vivo”, é verdade?

Qualquer coisinha, ele cantava o “Peixe Vivo”, cantava serenatas. Era a trilha musical dele. Quando foi candidato à academia e perdeu, ligaram para a casa dele e disseram que ele tinha perdido por um voto. Havia uma orquestra no local, pois na hipótese de ser eleito, haveria uma festa. Ele bateu o telefone e virou-se para os músicos e disse: “Toque o ‘Peixe Vivo’”. Pegou a Maristela, a outra filha dele, que é adotiva, e começou a dançar.

Há uma crítica de que as ações de JK acabaram com a malha ferroviária brasileira e que isso é uma das causas da péssima herança que ainda hoje faz agonizar o transporte sobre trilhos. Como você vê isso?

Ele é muito criticado por isso. Evidentemente, hoje, ferrovia faz muita falta. Mas não vou dizer que é uma herança ‘péssima’. Ele criou a indústria automobilística. Eu, por exemplo, consegui comprar meu primeiro carro de primeira mão, que era nacional. Ele dotou a classe média de possibilidade de comprar o Fusca.

E fez estradas. A pessoa saía do Rio ou de MG e ia de porta a porta e de carro em estrada asfaltada. Ele queria exercer um segundo mandato, no qual ele pudesse trazer algum benefício para a agricultura. Mas ele nunca caiu na real de que a ferrovia também seria necessária? Ele não deu prioridade porque achava que o problema do Brasil era a interiorização.

Sobre Lúcia Pedroso, a amante de JK, por que ele nunca dissolveu o casamento e assumiu seu romance com ela?

Era um caso que todo mundo sabia. Isso está explicado na segunda parte deste livro, que é o “Beijo da Morte”. Se a dona Sara entrasse com um pedido de desquite, naquele tempo, isso seria visto como adultério e ele poderia ser preso.

Obviamente, esta situação trouxe angústia para Sara Kubitschek...

Ela ficou chateada não só por causa disso, mas também porque perdeu o status de primeira-dama. Mas ela foi em frente, continuou cultivando a memória de JK. Não passou recibo, não. Mas azedou muito a relação com Juscelino. Tanto que ele passou a viver mais em Luziânia (GO), onde tinha uma fazenda, ou na casa de amigos. Ele passou os três ou quatro últimos meses da vida dele lá, sem vir ao Rio.

E o que esta amante tinha para ter encantado o presidente tanto assim?


Ela era muito bonita. Mas o Juscelino era mulherengo. Ele teve várias amantes. Mas quando conheceu a Lúcia, ele se apaixonou. Ela era uma mulher de sociedade. Dava a ele companhia. Ele aguentou muito essa barra dele, pois ele tinha isso por compensação.

Por que voltou com assunto sobre JK?

O pessoal sente falta. “Memorial do Exílio” era um livro de memórias, tudo na primeira pessoa, não pude ser, na realidade, um biógrafo. Nele, falei muito por alto da relação extraconjugal e do acidente. E não levantei o problema do atentado. Fiz o “Beijo da Morte” depois. Nele juntei as três mortes de políticos – JK, Jango e Carlos Lacerda.

Até agora, como este acidente tem sido visto?

Na segunda parte deste livro transcrevo os laudos da perícia. A Câmara dos Deputados fez uma comissão extraordinária para apurar as circunstâncias da morte dele. O mais contundente dos depoimentos foi de Miguel Arraes (ex-presidente do PSB), que na época do acidente estava exilado na Argélia. Arraes soube da Operação Condor e avisou os exilados latino-americanos. Nessa comissão, Arraes diz que não tinha dúvida alguma de que Juscelino foi assassinado. Mas o inquérito descreve apenas tecnicamente como foi o acidente. E deixa espaço para a teoria do atentado.

Por que JK era tão nocivo assim à ditadura?

Depois que ele deixou o governo, logo depois, veio a Revolução de 1964. Ele foi cassado na primeira leva. Foi para o exílio, teve bens bloqueados, respondeu a uns dez Inquéritos Policiais Militares (IPMs). Foi um massacre. Mas ele ia levando. O governo estava perseguindo JK por meio deste instrumental do AI-5. Já no finzinho, quando a sociedade começou a falar em abertura, o Juscelino (liderança de centro) fez uma reunião com Lacerda (direita) e o Jango (esquerda) para fazer a Frente Ampla e lutar contra o regime. Ela representaria quase 100% do eleitorado. Com isso, o governo ficou assustado, porque eram três pesos pesados, inimigos entre si, que se juntavam na luta contra a ditadura. A Frente foi fechada e os três signatários morreram imprevistamente em oito meses. Não chegou nem a nove meses, que é o tempo de um parto normal.

 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por