Liniker protagoniza série 'Manhãs de Setembro', já disponível na Amazon

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
26/06/2021 às 16:07.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:16
 (AMAZON/DIVULGAÇÃO)

(AMAZON/DIVULGAÇÃO)

Liniker estava filmando a série “Manhãs de Setembro” em Montevidéu, capital do Uruguai, quando recebeu a notícia da morte da cantora Vanusa, em novembro do ano passado. O baque foi grande, já que a sua personagem, Cassandra, é uma fã ardorosa da cantora da Jovem Guarda, apresentando-se em boates após trabalhar como motogirl durante o dia.

“Estava fazendo uma cena super difícil. Foi algo muito intenso e me pôs num lugar de entender o quão importante é a relação da minha personagem com ela”, registra Liniker, que, apesar de admitir as poucas semelhanças nas escolhas musicais, virou admiradora da trajetória de Vanusa, passando a reavaliar a maneira de lidar com os fãs.

“Desde quando ela iniciou nos anos 1960,Vanusa trouxe uma tecnologia vanguardista muito grande. Na verdade, ela iniciou muitas coisas. (O fato de) A ídola da Cassandra ser alguém do passado a faz ter um porto seguro. Vanusa dá colo para Cassandra, ajudando-a a se alinhar um pouco dentro de todas as violências que ela vive”, analisa Liniker.

A luta de uma transexual negra para vencer todos os obstáculos do cotidiano é a síntese da série, produzida e disponibilizada pela Amazon Prime Video. Cassandra está no melhor momento da vida dela, feliz com a sua relação amorosa e com o apartamento que acabou de comprar, mas a vida lhe prega uma peça, ao descobrir a existência de um filho.

A série com cinco episódios realizada pela produtora O2 (de Fernando Meirelles, diretor de “Cidade de Deus”) chega justamente no mês do Orgulho LGBTQIA+. Para Liniker, já estava mais do que na hora “um grande canal como a Amazon se responsabilizar por essas pautas e não nos subalternizar a narrativas que são mais do mesmo”.

A cantora do hit “Zero” diz esperar que “Manhãs de Setembro” seja a primeira de muitas narrativas onde essas personagens possam ser humanizadas e dignificadas. “Nossa responsabilidade diária é tentar sobreviver. A responsabilidade de quem tem esse grande poder na mão, que é o de criar narrativas e novos olhares, é oferecer imaginários de forma inteira”.

O que mais  atraiu a artista no roteiro foi a possibilidade de criar um imaginário real sobre uma pessoa trans, “tendo em vista o país que a gente vive, a sociedade que a gente vive e todas as formas de violência que as pessoas trans e pretas passam”. Criar uma personagem a partir do ponto de vista do afeto  foi o que a fez se emocionar quando pegou o roteiro pela primeira vez.

“(Eu me emocionei) ao poder criar uma personagem que tinha relação humana. Cassandra não estava neste lugar encaixotado que muitas narrativas e olhares cinematográficos colocam as pessoas trans, sempre à margem, em situações de perigo e de violência”, assinala Liniker, que trabalha num novo álbum, a ser lançado ainda neste ano.

Como artista da música, ela já demarcou o seu território, ao “estourar” nacionalmente em 2015, com um EP na internet. Agora dá um grande passo no audiovisual como atriz. “A gente poder ver uma personagem que tem uma casa e um trabalho, sendo uma travesti, já significa muito. Fora as outras relações de afeto que possibilitam humanizá-la”.N/A / N/A

O que mais  atraiu a artista no roteiro foi a possibilidade de criar um imaginário real sobre uma pessoa trans

“É falar do amor acima de qualquer circunstância”

Malu Miranda, head de conteúdo original para o Brasil do Amazon Studios, assinala que o canal entrou no projeto de “Manhãs de Setembro”, há dois anos e meio, após ser fisgado pelos temas abordados no roteiro, “sobre aceitação,  quem você é, quem está do seu lado e todas as formas de amar”.

Na época que o Amazon deu sinal verde para o início da produção”, lembra Malu, “a gente não sabia o que o mundo ia passar, mas poder lançar isso agora, com todas as dificuldades que estamos vivendo, é mais um brilho para a gente, ao poder falar de aceitação e de amor”.

Ela destaca ainda a complexidade dos personagens. “A jornada da Cassandra era uma coisa muito clara. A gente fala muito isso: a especificidade e a complexidade de cada personagem de uma série, diferentemente muitas vezes de um longa, é o que a faz ter vida longa, uma aderência boa. Este projeto já tinha isso de cara”.

A executiva define o Amazon Studios como uma “casa de talentos que sempre apoia vozes que não estão amplificadas no audiovisual”. No da série brasileira, ressalta, o que está em pauta é a formação de uma família e de uma rede apoio e afeto. “É falar do amor acima de qualquer circunstância”.

Ingredientes como resiliência e esperança fazem parte, de acordo com Malu, dos propósitos do canal. “Queremos trazer filmes e séries que falam de joy, da alegria de viver. A gente precisa de um ponto de luz na escuridão que muita gente está vivendo ao redor do mundo”, afirma.

Essa luz não se resume simplesmente a fazer obras audiovisuais sobre a temática. Ela cita a dublagem em outros idiomas, feita por mulheres trans e negras. “Temos que ir até o final, ampliando cada vez mais. Da sala de roteiro ao figurino, é preciso fazer um 36o graus, olhando para o todo, para o ecossistema. Isso é fundamental”.

Para o diretor geral Luis Pinheiro, “Manhãs de Setembro” é uma série que  “ já não está falando dos preconceitos, mas sim de formação de família, de afeto, coisas que já estão inseridas na vida. Esse projeto nos contamina com esse ar, de já nos passar a sensação de estar um pouco à frente do que está se vivendo e pensando”.

A roteirista argentina Josefina Trotta sublinha que a protagonista, além de ser mulher negra  e trans, é independente financeiramente, que vive um relacionamento amoroso estável, com rede de afeto sólida. “É o que a diferencia de outros tipos de representação de mulheres trans no audiovisual, oferecendo pluralidade e verdade”.

A também roteirista Alice Marcone alerta que o mercado brasileiro ainda é muito “nichado”, com muita dificuldade ainda de acessar certas narrativas. “Quando tivermos um protagonista trans numa série de terror que nada tem a ver com transição e identidade de gênero, aí sim vamos estar dando um passo além”.

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