Livro e filme revelam facetas do inquieto Marcelo Yuka

Cinthya Oliveira - Hoje em Dia
25/02/2013 às 09:54.
Atualizado em 21/11/2021 às 01:19
 (Rodrigo Alcon Quintanilha)

(Rodrigo Alcon Quintanilha)

A orientação da assessoria de imprensa era de que a repórter limitasse a entrevista a 20 minutos. Mas a conversa com Marcelo Yuka chegou fácil aos 45 – e poderia ter rendido muito mais, dada a quantidade de assuntos suscitados pelo lançamento do livro "Astronautas Daqui" e o debate sobre o documentário "No Caminho das Setas", na terça-feira (26), no Teatro Oi Futuro Klaus Vianna, às 20 horas, pelo projeto "Sempre um Papo".

Quem conhece o trabalho de Yuka como músico ou já leu alguma entrevista do artista sabe de toda a sinceridade e da inquietação latente. Isso é perceptível nas letras das bandas pelas quais passou (O Rappa, F.U.R.T.O.) e nos novos trabalhos. O livro "Astronautas Daqui" (Leya) traz quatro capítulos que abordam os lados letrista, poeta e desenhista do carioca de 47 anos.

PROMOÇÃO: O Hoje em Dia sorteou o livro Astronautas Daqui, de Marcelo Yuka, ex-O Rappa. Quem levou foi o internauta @caio_ptp.

Dirigido por Daniela Broitman, o documentário "No Caminho das Setas" acompanha Yuka por dez anos. Revela a transformação na vida do artista após ficar paraplégico, em decorrência dos tiros que o atingiram, ao interferir em um assalto, em 2000. O filme entra em cartaz nesta sexta-feira (1°) no Cine 104. Confira, a seguir, trechos da entrevista em que um franco Yuka fala sobre literatura, cinema e, claro, O Rappa.

Desafio

"Flertava com a poesia há algum tempo, mas não tinha coragem de me aventurar em um livro. Na literatura, não dá para se esconder. É só você e o papel, não há outro artifício de linguagem, como na música. Evitei ao máximo, mas esse projeto ganhou forma, graças ao incentivo da editora Anna Dantes".

Marca

"Está ali (no livro) a minha sensibilidade evidente com as questões sociais, mas também o meu encontro com o amor. Não só o amor entre um homem e uma mulher – a primeira vez que escrevo sobre isso – mas um amor plural".

Papel do livro

"Eu via esses filmes americanos com escritores com bloqueio criativo e achava que era coisa de ficção. Mas compreendi. Antes de fazer o livro, me perguntei: por que quero alimentar o papel? É necessário? Pode servir a alguém além de mim? Minha escrita sempre vai partir da minha necessidade de colocar os bichos para fora, mas esse pode ser um egoísta ponto de vista. Quando tenho besouros na garganta, cuspo no papel. Mas a quem isso vai servir? O livro foi meu xeque-mate. Ele me prensou. Fiz o mais honesto que podia e isso doeu. Se não tivesse a editora para ‘tomar’ o livro de mim, nunca acabaria. Gosto do processo, tanto que estou há cinco anos fazendo meu disco e não está pronto porque não há ninguém para falar que já está bom".

Documentário

"(O processo de realização do filme) foi tenso. Cinema é muito incisivo. Cinema pensa no cinema e não na vida. Quando as pessoas fazem cinema, se preocupam mais na qualidade do som e na forma com que está saindo a sua voz. Estou acostumado a ter uma vida próxima da mídia, acreditava que seria mais ou menos parecido com o que fiz. Mas não é. Tive cuidado de não deixar roteirizarem a minha vida. Não posso criar um evento especial na minha vida para dar mais calor ao filme".

Células-tronco

"Acho que a gente vive num momento muito ‘Big Brother’. Se for para me expor, que não seja por meu próprio capricho. Na época em que aceitei, o motivo determinante foi chamar atenção para a pesquisa com células-tronco. Era um momento que o Brasil estava indo às ruas para pedir urgência no estudo de células-tronco. Não é algo que passa só pela minha condição física, mas também por uma atitude política".

Acalanto

"(O que me acalentou nesses anos) foram o trabalho e as mulheres. De todos os problemas decorrentes dos tiros, o que achei que fosse mais doer em mim era o sexo. Mas não doeu nem um pouco. Antes, fazia sexo, hoje faço amor. Tenho uma noção mais ampla, posso entender mais e respeitar mais as mulheres".

Sorte

"Eu não sou bom em nada. Fui colocado como um poeta naquele momento em que a música estava redescobrindo o próprio umbigo, era uma produção feita pela classe média baixa. Se tivesse entrado no mercado 20 anos antes, teria sido muito difícil. Tive sorte, mas também muitas horas de trabalho".

O Rappa

"O que penso esteticamente sobre O Rappa não interessa às pessoas. Posso falar é que eles sempre fazem a opção pelo mercado, usam desonestamente posições políticas em que não acreditam, se unem pela grana. Está à direita. Como você sabe, enquanto a esquerda se divide pelas ideias, a direita se une pelo dinheiro. É preciso muito talento para viver no meio da mentira".

Confira trechos do livro poético

"por pouco a bala que pegou a ideia não pega a visão e eu começo a ver as coisas pela paralisia do rancor" ("A Bala")


"acordou cansado de procurar milagres foi ao espelho e achou de tão banal e vivo supranatural se denuncia já somos o milagre que \[somos o milagre humano \[vacila" ("Acordou")


"não quero perdoar por receio quero um deus mais \[justo não um deus justiceiro" ("Um Deus Mais Justo")

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