Mesmo com uma personagem que tantas vezes enaltece o verbo “prever”, é difícil para o espectador antecipar o desfecho de “Armas na Mesa”, em cartaz a partir desta quinta-feira nos cinemas, já que a narrativa parece nos conduzir a um gênero muito comum à cinematografia americana, sobre a segunda chance.
E isso se torna bastante claro para a plateia desde os primeiros minutos, quando a lobista Sloane (Jessica Chastain) desafia seu chefe, sai da empresa e aceita defender um grupo do “bem”, que pretende cercear a venda indiscriminada de armas, opção que deixa a “concorrência” em estado de contra-ataque.
A gente sabe dos desdobramentos de essa atitude, com a ação pulando para o futuro, num julgamento que tem Sloane como ré, tornando-se outro condutor de expectativas. O que se espera a partir disso é o momento em que a lobista irá perder a sua prepotência e ser punida por suas escolhas pouco éticas.
Mais do que uma disputa entre bem versus mal, entre uma indústria inescrupulosa e a defesa de uma moralidade, o foco de “Armas na Mesa” está concentrado na personagem de Jessica, quando ela vai se desnudando, tirando a máscara impermeável para encontrarmos uma mulher cheia de fraquezas.
O cinema de Hollywood gosta de punir personagens assim, que parecem ter o controle sobre tudo, para lhe dar uma redenção. Não é bem o caso. Basta dizer que o desconforto é constante ao acompanhar cada um desses lados recorrendo a soluções condenáveis para vencer, como se fosse essa a única maneira de sobreviver na política.
O filme adota o formato de thriller, numa grande e dolorosa corrida em que vários peões caem pelo caminho, restando apenas uma rainha cada vez mais acuada. Jessica tem uma grande atuação, sempre se sobrepondo quando seus personagens exibem nuances variadas, como em “A Hora Mais Escura” e “Interestelar”.
Ao mesmo tempo em que é “condenada” pela narrativa, por não ter vida social, família ou hobbies, revelando uma doentia necessidade de vencer a qualquer custo, solidarizamos com a compreensão de realidade dela, não admitindo a ingenuidade num jogo geralmente de cartas marcadas, com o Congresso agindo de acordo com seus interesses.
O final inesperado não desmancha essa ambiguidade, mas nos faz repensar sobre os interessantes artifícios do filme de John Madden (“Shakespeare Apaixonado”), com o próprio filme encampando a estratégia da protagonista, chamando toda a atenção para a lobista e escondendo sua grande arma até o último minuto.