Maurice Pialat e Jean Vigo ganham mostras em BH

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
31/05/2013 às 16:10.
Atualizado em 20/11/2021 às 18:43

Era o momento para descansar, após a recém-encerrada maratona de filmes dedicada a Howard Hawks, e preparar o fôlego para a retrospectiva completa de Alfred Hitchcock, programada para julho. A paixão cinematográfica, porém, falou mais alto para os coordenadores do Cine Humberto Mauro, que iniciam neste domingo uma mostra inédita no país com filmes do diretor francês Maurice Pialat (1925-2003).

O realizador de “Loulou”, “Infância Nua” e “Sob o Sol de Satã”, pelo qual ganhou a Palma de Ouro de melhor filme no Festival de Cannes, em 1987, não é tão conhecido como Luis Buñuel e Charles Chaplin, nomes que abriram a fase das grandes mostras no cinema do Palácio das Artes, mas vem tendo o conjunto de sua obra reavaliado, com alguns críticos apontando para uma filmografia irretocável.

Tour de Force

É esse novo olhar que atraiu Rafael Ciccarini, gerente de cinema da Fundação Clóvis Salgado. “Era um desejo antigo trazer esses filmes, mas confesso que não havia planejado para agora, pois não tínhamos recursos humanos e financeiros para fazer a mostra. As circunstâncias, no entanto, nos levaram a um tour de force, após encontrar os filmes quando formatávamos a retrospectiva de Hawks”, observa.
Ciccarini destaca que a mostra, intitulada “Toda Tristeza do Mundo”, representa uma grande oportunidade para o público conhecer a obra de um cineasta reconhecido apenas no círculo dos teóricos de cinema. “Pialat é um realizador bastante singular, que começou com a geração dos jovens turcos da Nouvelle Vague, na década de 60, mas que não conseguiu dar continuidade à carreira, parando de filmar por dez anos”, registra.

A parada significou a participação num novo estágio do cinema francês, colocando-o lado a lado com Phillipe Garrell e Jean Eustache. “Foi difícil para eles filmar depois da Nouvelle Vague, com um desafio criativo enorme pelo que o movimento representou em termos de reflexão e erudição. O cinema dos anos 70 se viu diante dessa pergunta: o que fazer? Eles, então, preferiram recomeçar e estabeleceram um marco zero”.

Tanto que, indagado qual era a sua principal referência cinematográfica, Pialat costumava citar os irmãos Lumière, fundadores do cinema. “Essa resposta ilustra a vontade de atacar o real de maneira direta, com um olhar cinematográfico virgem na maneira de observar o mundo, sem grandes filtros de linguagem. Havia uma certa crueza em sua mise-en-scène”, analisa o coordenador.


Tradução do zero

Como boa parte dos trabalhos de Pialat nunca foi exibida comercialmente no Brasil, as legendas estão sendo produzidas especialmente para a Mostra. “A tradução é feita a partir do zero, pois não recebemos a lista de diálogos”, ressalta Ciccarini. É o caso, por exemplo, de “A Casa do Bosque”, série realizada para a TV francesa, uma das atrações da retrospectiva. Exibida em 1970, tem a duração de 350 minutos, divididos em sete episódios.

O cinema surrealista e poético do mestre

Antes de a mostra “Toda Tristeza do Mundo” ocupar o Cine Humberto Mauro, o público terá a oportunidade de acompanhar dois dias dedicados a outro importante cineasta francês: Jean Vigo. Com uma filmografia pequena, mas fundamental na história do cinema, o diretor terá sua obra completa apresentada hoje e amanhã.

Rafael Ciccarini salienta que, apesar dos estilos e momentos diferentes, há algumas semelhanças entre Vigo e Pialat na abordagem de seus temas. A crueza do realizador de “Sob o Sol de Satã” também estava presente em Vigo quando produziu clássicos como “O Atalante” e “Zero de Conduta” na década de 30.

“É interessante ver os filmes de Vigo antes de Pialat porque eles também possuem uma espécie de beleza bruta. São obras muito bonitas plasticamente, mas que não amenizavam os problemas da realidade. Condução poética, também chamada de surrealismo social, que influenciou todas as gerações de cineastas franceses, inclusive Pialat”, sublinha.

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