Os elementos comumente associados a um filme infantil surgem distorcidos ou virados do avesso em "Meu Pé de Laranja Lima", adaptação do clássico de José Mauro de Vasconcelos que chega nesta sexta-feira (19) às salas de exibição.
Primeiramente, há um acento mais dramático do que cômico, ousadia assumida por poucos trabalhos – podemos citar "A Fantástica Fábrica de Chocolate" (1972) e "O Pequeno Príncipe" (1974).
Não é impertinente afirmar que os dois exemplos são produções infantis voltadas para a "criança adulta", em que somos confrontados com desagradáveis situações de medo, perda e interesse mesquinho.
Essa é uma chave importante para entrar no universo criado pelo roteirista e diretor Marcos Bernstein. Apesar de a narrativa ser conduzida pela imaginação fértil de Zezé (João Guilherme Ávila), é a dureza da realidade que insere os conflitos.
Incômodo
A história começa com o desemprego do pai, que afeta toda a família, mas particularmente Zezé. Os dois medem forças, com o pai abusando de sua autoridade e o garoto de seu direito de ser criança, testando de forma insuportável os limites. São cenas que geram incômodo.
É como um rito de passagem, explícito desde o início em que Zezé adulto e bem-sucedido relembra a sua infância, visitando um cemitério onde foi sepultado o Portuga (José de Abreu, em seu melhor papel no cinema).
É simbólica a cena em que um menino passa por trás do Zezé crescido, com a câmera deixando o primeiro personagem para acompanhar o segundo, mergulhando em seu passado. Bernstein costura seu filme com planos assim, cheios de lirismo, ternura e melancolia.
Camadas
Com o auxílio do diretor de fotografia Gustavo Hadba, "Meu Pé de Laranja Lima" mais uma vez ousa na adoção dessa linguagem, normalmente quadrada ou extravagante em se tratando de obras infantis. A câmera está sempre dois passos à frente do texto, oferecendo mais de uma camada de leitura.
Mesmo quando Zezé está em contato com suas fantasias, alimentadas por Portuga, o vínculo com o real não se quebra. E vice-versa. A sensação é de uma infância interrompida. O final, que podemos definir como nada feliz, permite essa ideia, em que a felicidade tem tempo limitado. Até mesmo para uma criança.