(Divulgação)
O ponto de partida é o palco sobre o palco: o que acontece quando falo um texto ali e como ele é recebido. Quando saio dali, e falo a mesma coisa, como isto é recebido?”. O carioca Michel Melamed sempre foi um destes sujeitos incomodados pela arte, pela linguagem, pelos contextos que o cercam. Desde os tempos de Centro de Experimentação Poética na Lapa, passando pelo sucesso da peça “Regurgitofagia”, de 2004, e chegando em sua atuação na TV com o ótimo programa “Recorte Cultural”, o ator sempre buscou uma espécie de “fora do comum” em tudo que assina.
“Monólogo Público”, seu trabalho mais recente, que chega ao Teatro Sesiminas na sexta e no sábado, amplia este escopo, capturando o momento que o Brasil e o mundo passam atualmente. Segundo ele, pretende-se uma alegoria das relações entre o público e o privado no país, partindo da autoficção (ou pós-verdade) até finalmente “sermos todos artistas”. “Estamos sempre falando de si. Se não falarmos da gente, não trocamos nada com o outro. É necessária a mediação do dentro e do fora. Há uma passagem do (teórico Pierre) Bourdieu que diz que um bom parâmetro de saúde mental é o trânsito entre o dentro e o fora”, diz Melamed. Nesse sentido, o espetáculo fala prioritariamente de “não ser linear, permitir olhares variados, aberto à interpretações”.
Entre a troca (e a comunhão) entre o ator no palco e o público na platéia, o interesse de Melamed também está na linguagem que possui um papel central “na construção de discursos e narrativas”. “O quanto ela interfere no palco?” diz. “Ali estão a perspectiva cênica, o figurino, o corpo, a voz, como isso entra em relação com o público e como o público interage entre si?”. Na peça, o ator começa falando de si, recria sua vida até o presente, até o próprio espetáculo, para então se tornar seu próprio público; palco sobre palco, portanto.
Diante desta proposta, é impossível não pensar nas disputas narrativas, modeladas pelas exibição pública em redes digitais, que permeiam e por vezes polarizam o país hoje. Melamed, naturalmente, não foge disso: nota o lado bom da exibição pública como parte essencial do “trânsito entre pessoas” a que se referiu e vê a internet como uma ferramenta que “democratizou o espaço de expressão, já que antes apenas alguns articulistas abordavam certos temas”.
Mas também nota o lado perverso do capturar o público para o privado. “É uma vergonha o que estamos vivendo. Um assalto ao país: ministros, senadores, presidente, que deveriam estar cuidando dos bens públicos e são notórios bandidos. A ética e a moral como linguagens que não significam nada. A peça também chega nisso”, diz.
Serviço: “Monólogo Público”. Sábado, às 20h e domingo, às 19h, no Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60–Santa Efigênia). Ingressos: R$50 (inteira) e R$ 25 (meia)