(Warner/)
Até que ponto você é capaz de segurar a raiva, contar até dez e perdoar um insulto? Vamos a situações concretas: até que ponto você pode suportar o peso de ver seu pai cometendo suicídio pela pressão de um agiota? Ou, sendo um estudante de música clássica, de repente ter todos – ex-namoradas, professora e psiquiatra – contra você? Já parou para pensar como é ser roubado pelo poder público e, tendo que enfrentar fila e burocracia para pagar uma multa injusta de trânsito, não ter ao menos o direito de reclamar?
Aposto que consegue se segurar quando um carro lento e caindo aos pedaços, numa autoestrada sem trânsito, simplesmente tenta impedir sua ultrapassagem. Não? Então você sairá do cinema agradecendo aos irmãos Almodóvar (Pedro e Agustín) pela produção e ao diretor Damián Szifron pelo arrebatador “Relatos Selvagens”, produção hispano-argentina indicada a uma vaga na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro, na edição de 2015.
Atores como o consagrado Ricardo Darín, Oscar Martínez, Rita Cortese vivem personagens que poderiam sair das telas e andar ao lado de qualquer espectador. Ou ser qualquer dos espectadores, acossados pelos dramas e o ódio deles decorrente, no dia a dia. Trata-se da linha tênue entre a civilização e a barbárie, exposta com ritmo e cadência.
Quem assistiu a Michael Douglas quebrando tudo em “Um Dia de Fúria” talvez tenha um leve deja vu numa das seis histórias do filme, justamente a estrelada por Ricardo Darín. Outro ponto positivo de “Relatos Selvagens” é que nem só de barbárie vive o homem revoltado. Há leves toques de humor, especialmente no início do filme, quando uma coincidência une passageiros de um avião: todos ali tiveram algum tipo de relação com o mesmo homem. Ou numa fala simples de outro relato em que a morte surge inverossímil: “Terá sido crime passional?”.
Nas seis histórias – surto psicótico, traição amorosa, vingança em nome da família, revolta com o poder público, crime de trânsito, corrupção – as pessoas estão fora de controle. Mas, ainda que para cada um fale mais alto determinada situação, o clima de tensão na rodovia, depois de uma introdução de belíssima paisagem, é capaz de prender a respiração de qualquer espectador.
O bom em “Relatos Selvagens” é que há um breve toque de esperança. Nem todos os finais são terríveis. É possível, após a catarse, adquirir certa leveza, ainda que seja na morte.