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A insatisfação popular com os rumos políticos do país é herança de uma transição iniciada em 1984 que nunca se completou. Ao escolher o período das Diretas Já como pano de fundo, o filme “Depois da Chuva”, do casal Cláudio Marques e Marília Hughes, quer pensar o Brasil de hoje.
“(As manifestações) não vêm do nada. É uma herança de uma época em que havia uma euforia muito grande, pois acreditávamos que um outro país seria construído com a nossa participação”, registra Marília, que estará logo mais, às 20h, no Sesc Palladium, para acompanhar a exibição e debater com o público.
“No final das contas, Tancredo (Neves), que era um político tradicional de fala pomposa, morreu e nosso presidente foi o (José) Sarney, que estava na base de sustentação do governo militar. Queríamos uma participação efetiva nas decisões, mas as alianças políticas inviabilizaram esse processo”, lamenta.
Premiado nas categorias trilha sonora, roteiro e ator no Festival de Brasília do ano passado, “Depois da Chuva” retrata esse quadro de inquietação a partir de um estudante que tenta quebrar com as regras vigentes e se envolve com o rico cenário anarquista e punk-rock da Salvador do início da década de 80.
Pré-axé
Caio (Pedro Maia) vive seu despertar político e amoroso, participando de um grêmio na escola e assistindo shows que reúnem jovens libertários. “Nos interessa sim essa conexão com as manifestações, embora nunca tenha passado em nossa cabeça que iriam para as ruas novamente”, admite Marília.
Para as cenas de shows punk, a dupla de cineastas chamou bandas que estavam na linha de frente desse movimento na Bahia, como Dever de Classe e Crac!. “Elas se reuniram especialmente para o filme para lembrar uma época marcante de uma cultura pré-indústria do axé”, destaca.
Longe de querer vender “nossa cidade como cartão-postal”, Marília também não quis escancarar mais referências ao período retratado além de cortes de cabelo muito característicos e da percepção da ausência completa de uma tecnologia onipresente nos dias de hoje (celular e computador).
“Estamos tratando de uma época relativamente recente, que tem suas marcas, mas que não precisa ficar ‘berrando’ o tempo todo no filme, como se fosse um brechó. Optamos por algo mais sutil, até para criar uma ponte de identificação com o que a gente vê hoje”, assinala.
Referência política
A preparação se concentrou na pesquisa do protagonista, encontrado numa escola de classe média da capital baiana. “Notamos o Pedro depois de visitar um grupo de teatro de uma escola particular. Logo vimos que era o que precisávamos, respondendo bem às perguntas que se colocavam no filme”.
O restante do elenco foi formado a partir da escolha de Pedro, amenizando o desgaste de cinco semanas de filmagens com a escalação de pessoas próximas do ator. “Fizemos isso para ele não perder a vontade, conscientes que estávamos da responsabilidade que ele tinha no filme, segurando a história do início ao fim”, afirma.
Previsto para estrear comercialmente no segundo semestre, “Depois da Chuva” usa nomes de políticos dos anos 80 para definir os colegas de Caio no grêmio. “Brincamos com essa escolha. O Paulo é o (Paulo) Maluf, que quer ganhar a eleição de toda maneira. E tem o Ribamar, referência ao Sarney, que muda de lado de acordo com as circunstâncias”.
“Depois da Chuva” – Nesta terça-feira (10), às 20h, na Sala Professor José Tavares de Barros, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1046). Entrada franca.