O traço do artista: o trabalho singular do fotógrafo Renan Cepeda ganha registro em livro

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
04/01/2014 às 08:20.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:08

(Renan Cepeda - Divulgação)

O fotógrafo Renan Cepeda sempre procurou uma “assinatura” em seu trabalho. “Assim como um pintor, um escultor ou um desenhista com seus respectivos traços, suas pinceladas”. O que, acrescenta, não é tarefa das mais fáceis na vereda pela qual optou, “onde você trabalha com forças já preconcebidas”.    O caminho encontrado pelo carioca, o diferencial, passava pelo tipo de registro ou de luz com o qual definiria seu trabalho. “Foi por aí que busquei uma marca, uma assinatura. E dentre outras técnicas, a do infravermelho foi uma, principalmente aplicada para um assunto específico, que é a paisagem carioca”, diz ele.    Uma boa amostra do resultado pode ser conferida no belíssimo livro de arte “Rio Infravermelho”, que a Casa da Palavra acaba de colocar na praça, com apresentação de Carlos Saldanha.    Para o produtor e diretor de animações como “Rio”, o trabalho de Renan “nos faz parar para admirar a beleza de formas monocromáticas e simples, nos permitindo extrair a verdadeira grandeza dessa imponente cidade que, apesar de sempre vulnerável, continua sólida”.    Cumpre frisar que as imagens reunidas na obra não passaram por qualquer processo de manipulação. “Um conceito muito forte do trabalho é tentar buscar uma certa atemporalidade. Mas sem manipular as fotos, tirar prédios”, conta Cepeda, exemplificando com uma foto P&B tirada em 2006, de Niterói. “Acho que ela representa bem o meu trabalho. Não que seja a mais bonita, mas esconde a cidade do Rio no ponto da luz, e parece se reportar a um outro tempo. E a caravela que aparece em primeiro plano deu um toque todo especial”, diz, referindo-se à embarcação usada nas comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil.   Outros pontos emblemáticos da cidade-maravilhosa, como o Corcovado e o Pão-de-Açúcar, assim como cenas cotidianas, como a de pessoas fazendo jogging, adquirem, pelas lentes de Cepeda, ângulos tão inusuais quanto cativantes.    Como assegura o jornalista Arthur Dapieve, que assina a introdução: “A fotografia infravermelha permite a Cepeda revelar, mesmo ao mais observador dos cariocas, aspectos desconhecidos de sua cidade, além de materializar aquela visão paradisíaca”.   Novo projeto garante volta a MG   Renan Cepeda começou sua “militância” na fotografia no Jornal do Brasil, no final dos anos 80. Alguns anos mais tarde, passou a utilizar filmes infravermelhos deixados por seu pai para pavimentar um trabalho paralelo, mais autoral. No início do novo século, a galerista Anita Schwartz convidou-o para montar sua primeira exposição individual. E, como atesta o já citado Dapieve, o sucesso da mostra provou “que seu lado B poderia se transformar no lado A”. Mas o infravermelho não é a única técnica usada pelo fotógrafo, que também extrai belas imagens através da light painting.    Ao Hoje em Dia, ele diz que, neste ano, vai desenvolver uma série de matriz bucólica, fotografando cenas pastoris tanto no Brasil quanto na Itália, em particular na Toscana. “Trata-se de um projeto financiado por colecionadores, que investem antes de as fotos serem realizadas. É assim, aliás, que financio minhas iniciativas, por meio de alunos que vão comigo fotografar e para os quais vou passando as técnicas, e por meio de colecionadores, numa espécie de crowfunding, só que exclusivo, já que as fotos são limitadas”. E é nesse projeto que Minas Gerais volta à cena. “No caso das cenas pastoris feitas no Brasil, estou pensando no sul de Minas”.   Jequitinhonha   A palavra “volta”, nesse caso, foi usada pelo fato de Renan já ter iniciado aqui, no estado, em 2012, outro projeto, que teve como paisagem o Jequitinhonha – no caso, usando a técnica light painting para registrar construções rurais e pessoas. “Minas Gerais tem uma coisa mística da religiosidade e uma singularidade advinda da forma como foi colonizada, pela busca do ouro... Por sinal, entendo que a personalidade do mineiro é muito marcada pela mineração. Era preciso viajar muito – e viagens duras – e ‘esconder’ informações”, analisa.   O light painting também está dissociado da manipulação de imagens, mas Cepeda faz questão de frisar que não tem qualquer laivo de preconceito com o digital. “Optei por usar o filme, o que faço é um documento, uma ‘foto’ ‘grafia’, gravação de luz... Mas sem sectarismos”, conclui.    Em relação ao “seu” Rio de Janeiro, Cepeda diz: “Sou um carioca que tem, como muitos outros, uma relação de ódio e amor com a cidade. Tenho uma certa pena de o Rio ter se verticalizado tanto, de algumas áreas não terem sido protegidas, do nosso descaso com a topografia da cidade, o que causa tragédias visuais e meteorológicas”.   "A paisagem litorânea  de Maricá até Ubatuba, São Paulo, por exemplo, é maravilhosa! Ali tinha que ser um parque nacional só (risos). Essa serra junto com o mar, o manto verde junto ao azul do mar, é uma coisa inacreditável, única. Então quer dizer, a urbe brilha com a topografia... Ao mesmo tempo, a intercessão disso, o ser humano numa grande cidade, tem outros aspectos. E falo não só do cidadão que nasceu aqui, mas do que vive aqui. Essas curvas da cidade nos permeiam de uma sensualidade, de um estar no mundo mais relaxado, mais propenso a uma transcendência de prazer que, se por um lado nos enche de vida, por outro nos corrompe quanto a uma melhoria, a um processo mais civilizatório e ordenado. É interessante, esse aspecto, a beleza da paisagem corrompe o civilizado...", filosofa Cepeda.    

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