(FERNANDO BADHARÓ/DIVULGAÇÃO)
Se não fosse pela pandemia, “Na Sala com Clarice” – projeto teatral que celebra o centenário da escritora Clarice Lispector, com apresentações a partir de domingo – provavelmente ainda estaria numa gaveta, para onde tinha ido em 2018 após não ser aprovado num edital do Centro Cultural Banco do Brasil.
“Eu já tinha desistido dele, na verdade. Não só por conta da pandemia, mas porque houve muita mudança no cenário cultural. E a pandemia veio como uma pá de cal”, registra Odilon Esteves, ator e criador do projeto. A mesma vilã, porém, provocou o que ele define como um “ato milagroso”.
Em setembro, o próprio CCBB procurou, em seu banco de projetos apresentados, trabalhos que pudessem se adequar às restrições impostas pelo coronavírus. “Eles viram que era importante abrir outra frente, com o on-line, porque o presencial iria demorar a voltar”, registra Esteves.
Muitos dos projetos não eram adaptáveis, conta o ator, devido a questões técnicas, como o fato de terem elencos muito grandes. “Ao buscarem no banco de projetos deles, lembraram que o meu era interativo e que talvez pudesse funcionar para internet. No final das contas, essa volta toda foi algo surpreendente”, destaca.
Em pouco menos de três meses, ele reestruturou o projeto para transmissão on-line, mas a ideia central foi mantida: a partir de um cardápio de 20 textos de Clarice Lispector, entre crônicas e contos, permitir que os espectadores escolhessem quais peças seriam encenadas no dia, por meio de votação.
O uso da palavra “cardápio” não é à toa. “Pensei neste projeto como um acontecimento gastronômico, com entrada, pratos principais e sobremesa. Eu darei três sugestões de texto para escolherem, em cada uma destas etapas”, explica Esteves, que vem ensaiando todas as peças três vezes ao dia.
Peça literária
O idealizador prefere chamar o projeto de “peça literária”, por ser muito voltado para a palavra, “para a transposição de um texto escrito para a oralidade”. Neste processo de orali-zação, emerge, segundo ele, um olhar muito particular. Percepção ampliada pela ausência de cenário.
(Sobre os cenários) ainda não tinha clareza disso lá trás, mas eu sempre pensei, como existe stand up comedy, em algo como stand up literary. Nas apresentações de humor, as pessoas têm apenas o comediante e um microfone. Seria muito seco propor isso também com outras emoções?”, indagava-se.
Esteves chegou à conclusão de que o formato permitiria experimentar emoções distintas, indo da comicidade ao drama. Na seleção que fez para “Na Sala com Clarice”, por exemplo, há textos que são “divertidíssimos e outros que são misteriosos, que nos colocam um enigma para podermos pensar”.
O resultado, nas palavras do ator, é um panorama vasto de sensações. O espectador verá Esteves num plano único, sem edição e trilha sonora. “O meu desejo é tentar estabelecer ma conexão com quem está assistindo, sem muito enfeite ou truque. É a busca de uma sinceridade, de forma que os textos parecessem meus”.