Onde João Cabral encontra Ravi Shankar

Cinthya Oliveira - Hoje em Dia
31/01/2015 às 10:34.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:51

(Guilherme Labarrereo / Divulgação)

Arthur Dutra é um dos vibrafonistas mais requisitados no universo musical brasileiro e já gravou com famosos, como Lenine, Erasmo Carlos e Roberta Sá. Mas chegou a hora de o músico sair dos bastidores e chamar a atenção. Numa única sentada, ele coloca no mercado seus dois primeiros álbuns de jazz – “A Musa de Benjamin & Outros Ensaios” e “O Tempo do Encontro” – e um livro complementar – “Arte D’Encarte” – que conta uma história sobre o amor por discos, capas, encartes...

Mas não é somente em sua primeira produção textual que o vibrafonista mostra toda sua paixão pela literatura. Em todo “A Musa de Benjamin”, há referências a personalidades dos universos das letras, das artes visuais e da filosofia. Há referências a Immanuel Kant, Oswald de Andrade, Arthur Schopenhauer, Alfredo Volpi, Carlos Drummond de Andrade, Noel Rosa e outros. Além de uma reverência aos mestres João Bosco e Aldir Blanc com uma versão para “O Bêbado e a Equilibrista”.

Citações feitas nos títulos das músicas e nos inspirados versos de Arthur Dutra. “Eu adoro escrever letras e me sinto totalmente realizado ao fazê-lo. Mais do que isso, acho que todo músico sem instrumento por perto, se cair na rede vira de certo modo um letrista das melodias que se ausentaram. Como disse Aldir Blanc: o universo, na caçamba, é do pescador e do letrista de samba”, afirma Dutra, que é mestrando em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Encontro Inusitado

Dutra diz que gosta de compor pensando em personagens. Isso fica bem claro em “A Musa de Benjamin”, em que há um encontro inusitado entre João Cabral de Melo Neto com Ravi Shankar – a representação do que seria se Índia encontrasse, na verdade, o sertão pernambucano. Homenageia cultura popular e a beleza da pintura em “As Bandeirinhas de Volpi”, e imagina uma comunicação entre Noel e Drummond.

Mas é importante reforçar que não é apenas a intertextualidade que chama atenção no trabalho de Dutra. O vibrafone é o grande destaque das produções. “O trabalho maior foi o de compor o acompanhamento de vibrafone e bateria, que queria que soassem diferentes do usual. Aprendi com isso que a matéria prima musical mais simples muitas vezes torna bem mais difícil apresentar um estilo próprio, uma ideia diferenciada”.

Mesmo que Dutra busque um caminho diferenciado para seu instrumento, somente o fato de colocá-lo em primeiro plano é algo novo para boa parte do público, já que o vibrafone é um instrumento pouco destacado na produção popular brasileira.

“Normalmente percebo que, por não ser um instrumento com uma tradição bem estabelecida no âmbito das músicas populares (exceção feita ao jazz), o vibrafone remete à própria beleza da música. A ausência de referenciais deste ou daquele estilo de música faz os ouvintes, de um modo geral, enxergarem a beleza não no particular, mas no universal da própria música”, observa Dutra. “Fico feliz ao ver as pessoas elogiarem a sonoridade do grupo como um todo em razão da presença do vibrafone”.
 

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