CINEMA

Ozon desidrata texto ousado de diretor alemão no filme 'Peter von Kant'

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
25/10/2022 às 14:43.
Atualizado em 25/10/2022 às 14:44
Filme é inspirado no clássico "Petra von Kant", de Rainer Werner Fassbinder (BONFILM/DIVULGAÇÃO)

Filme é inspirado no clássico "Petra von Kant", de Rainer Werner Fassbinder (BONFILM/DIVULGAÇÃO)

Em cartaz nos cinemas, o filme francês “Peter von Kant” se sustenta com a história de um cineasta arrogante e muito seguro de si que acaba se deixando envolver por um homem mais jovem, por quem se apaixona tão perdidamente que perde o autocontrole.

Mas a experiência fica mais rica quando vista ao lado da obra que o inspirou, o alemão “As Lágrimas de Petra von Kant”, porque, além, dessa trama sobre dominação, agora com os sexos invertidos, o francês também homenageia o criador, Rainer Werner Fassbinder.

O diretor cheio de si é explicitamente inspirado no realizador que participou do Novo Cinema Alemão, na década de 1970, e assinou obras como “O Casamento de Maria Braun” e “Querelle”, misturando outsiders e muito melodrama.

Fassbinder era sabidamente carente e explosivo. O ator Denis Menochet transpira essa dualidade, mas num tom muito diferente. Apesar da homenagem, Ozon se preocupa mais com o que é dito e menos com os silêncios presentes em “As Lágrimas de Petra von Kant”.

O cinema de Fassbinder exibia uma tensão constante, um sentimento de deslocamento dos personagens numa sociedade em transformação. Esse é outro dado que desaparece no filme de Ozon: ele poderia acontecer em qualquer lugar ou época.

“Peter von Kant”, neste sentido, é desidratado, sem uma gordura sociopolítica que faz muita falta à trama. O homem é fruto de seu ambiente, com Peter podendo muito bem servir a um tipo de classe média emergente que perdeu as suas origens.

O ator iniciante por quem o diretor se apaixona é de origem árabe, jovem e que, apesar de não vermos, se desloca por outros lugares. Peter vive enfurnado em sua casa, senhor de seu castelo até ser ameaçado por um cavalo de troia.

Toda essa leitura se perde na busca de Ozon em se ater aos corpos, especialmente na pele lisa do garoto, com os atritos físicos se somando aos conflitos verbais que o casal passa a vivenciar. O realizador francês nunca sai desse estado de superficialidade.

A homenagem, de certa maneira, se torna vazia, porque Ozon só usa o corpo físico de Fassbinder. E não o seu pensamento, a forma como ele articula os diversos elementos para compor um corpo político.

O francês preserva o lugar e o tempo, na Alemanha do início dos anos 70, mas, com exceção dos objetos de cena e do figurino, “Peter von Kant” não evoca a época e, muito menos, dialoga o presente.

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