Ouro Preto

'Paisagens Mineradas': exposição de arte e resistência chega ao Museu da Inconfidência dia 30

Mostra reúne obras de 12 artistas mulheres

Do HOJE EM DIA
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Publicado em 26/11/2024 às 15:55.Atualizado em 26/11/2024 às 18:28.
Obra: Isis Medeiros (Isabelle Aguiar)
Obra: Isis Medeiros (Isabelle Aguiar)

O mês que marca os 9 anos do rompimento da barragem de Mariana termina dia 30 com o lançamento da exposição “Paisagens Mineradas: marcas no corpo território", no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, na região Central. A mostra reúne obras de 12 artistas mulheres e traz um olhar profundo sobre as consequências da mineração nas paisagens físicas e simbólicas do país. A visitação é gratuita e segue até 15 de março.

A escolha do local para a exposição foi carregada de simbolismo, explica a curadora Isadora Canela. O Museu da Inconfidência fica instalado na antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica, atual Ouro Preto, que representava o centro administrativo e jurídico de uma cidade que foi o epicentro do ciclo do ouro no Brasil, período em que a mineração moldou a paisagem e a história do Estado. “Ocupá-lo com obras que abordam os impactos da mineração é também reivindicar a nossa memória e denunciar um sistema secular de violações e violências, tanto em corpos humanos quanto em corpos-territórios”, diz.

A tragédia de Brumadinho é mais do que uma cicatriz na história de Minas Gerais; é um marco de luto e luta por justiça. Em 25 de janeiro de 2019, a barragem do Córrego do Feijão se rompeu, liberando um mar de lama tóxica, matando 272 pessoas e devastando vegetação nativa da Mata Atlântica, além de áreas de proteção permanente ao longo de cursos d'água.

“Não foi um acidente. O processo ainda está em curso e ninguém até o momento foi responsabilizado", relembra Helena Taliberti, presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti. "Perdemos nossos sonhos e a segurança que sentíamos. Perdi meus filhos, Camila e Luiz Taliberti, minha nora, Fernanda Damian de Almeida, grávida de cinco meses, do meu neto, Lorenzo. Perdemos tudo naquele dia 25, sonhos, planos, perspectivas", enfatiza.

"Paisagens Mineradas" é formada por obras de mulheres artistas, entre pinturas, gravuras, videoarte, instalações e fotografias. A exposição resgata a memória dos que perderam a vida e dialoga com um futuro possível: as obras expostas retratam a devastação, mas também a capacidade de regeneração. "Nos horizontes do tempo, cicatrizes desenham as paisagens do corpo, da memória e da terra. 'Paisagens Mineradas' é um convite à imaginação de um solo fértil. Nessa lama vermelho-sangue, semeamos a vida”, reflete o texto de apresentação da mostra.

O texto ainda ressalta o papel crucial do feminino na iniciativa: “esta exposição reúne mulheres artistas que, feito mãe-terra, se organizam em rede para germinar outras paisagens possíveis”. A curadora aponta que ter uma equipe integralmente feminina, inclusive na produção da mostra, reflete uma narrativa crítica sobre exploração. "Em um sistema que normaliza a violência, o que se faz com a montanha, se faz com a mulher. Pensar no lugar que as mulheres ocupam na cultura e na arte, muitas vezes apagadas na história, é uma forma de subverter a lógica de um sistema opressor", afirma Isadora.

“Essa é uma exposição sobre perda e renascimento. Uma forma de honrar cada vítima e para tornar viva a memória e busca por justiça por meio da arte”, declara Helena Taliberti. “O ato de levar ‘Paisagens Mineradas: marcas no corpo-território’ ao Museu da Inconfidência é um gesto poderoso de resistência e memória. A antiga Vila Rica, que um dia simbolizou a riqueza do ouro, hoje é ocupada por uma exposição que confronta as rupturas humanas, sociais e ambientais dessa exploração. A mostra é um convite a refletir sobre o futuro, honrando as vidas perdidas e o que ainda pode ser ressignificado”, conclui.

A exposição e sua itinerância foram idealizadas e realizadas pelo Instituto Camila e Luiz Taliberti com o intuito de levar a discussão sobre os impactos da atividade mineradora para diferentes públicos e conectar territórios afetados por essa prática. O instituto honra a memória dos irmãos Camila e Luiz, que perderam a vida no rompimento da barragem de Brumadinho, através de ações culturais e de sustentabilidade que buscam conscientizar a sociedade sobre o impacto da mineração predatória.

“Esta exposição é um convite para refletirmos sobre o futuro que está sendo construído e as consequências das nossas escolhas. Precisamos mostrar para a sociedade o que aconteceu, para que tragédias como essa não se repitam, para que a vida seja priorizada, e para que a morte deles não tenha sido em vão”, diz Helena. “A itinerância da exposição é uma forma de nos conectar com as famílias que passaram pelo mesmo trauma, com pessoas que também acreditam nessa luta e ainda agregar pessoas que se sintam tocadas pela causa e pela arte”, complementa. Antes de chegar a Ouro Preto, “Paisagens Mineradas” passou por São Paulo (SP) e Belém (PA).

Pinturas, gravuras, videoarte, instalações e fotografias: conheça o trabalho das artistas

Beá Meira - Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP (1985), investiga paisagens marcadas pela exploração e o antropoceno. Durante três décadas, desenvolveu práticas pedagógicas e colaborativas em arte, além de registrar reflexões visuais em cadernos de desenho. Em 2018, lançou Cadernos da Beá e, em 2021, retomou a pintura e técnicas de gravura, como litogravura e mokolito. Participou de exposições em instituições como o Itaú Cultural, o Museu de Arte do Rio (MAR) e a Lona Galeria de Arte, entre outras.
 
Coletivo ASA (Associação de Senhoras Artesãs de Ouro Preto) - Fundada em 2008 por um grupo de amigas apaixonadas por arte têxtil, a Associação das Senhoras Artesãs é um espaço de encontro e trocas de experiências, unindo o interesse comum pelo uso criativo de tecidos, agulhas e linhas. Com foco na produção artesanal, o Coletivo ASA busca preservar e promover a identidade cultural por meio de bordados e trabalhos manuais.

Isadora Canela – Artista visual e ativista ambiental brasileira dividida entre Brumadinho e Berlim. Em 2023, cofundou a ONG Webs, que colabora com refugiados, migrantes, mulheres e artistas queer de mais de 10 nacionalidades, culminando na exposição “Fragmentos de Impermanência” durante a Semana dos Refugiados de Berlim. Ela apresentou seu trabalho na conferência sul-africana “(A)Gender Matters” e participou de entrevistas na Croácia e em Munique. Em 2022, começou a cursar disciplina de mestrado em Mudanças Climáticas na UFMG. Também contribuiu com a Exploring Visual Cultures, a "Documenta 15 Summerschool", e participou da exposição "Body and Self" da Counterpoints. Entre seus trabalhos audiovisuais, se destacam o videoclipe “Leviatã” (2020), sobre fake news, e o filme “À Sombra do Sol” (em desenvolvimento), sobre astronomia indígena.
 
Isis Medeiros - Isis Medeiros é fotógrafa focada em fotojornalismo e fotografia documental, com trabalhos voltados a denunciar negligências de mineradoras em Minas Gerais e violações de direitos humanos. Engajada na luta por empoderamento feminino, realizou o projeto Mulheres Cabulosas da História e recebeu o prêmio Clara Zetkin. Suas fotos foram publicadas em veículos como National Geographic e BBC News. Em 2020, lançou o fotolivro 15:30, sobre o desastre de Mariana, e integra o projeto Testemunha Ocular, destacando-se como uma das principais fotojornalistas do Brasil.
 
Julia Pontés - Júlia Pontés é fotógrafa, artista visual e pesquisadora mineira, com foco no impacto socioambiental da mineração no Brasil. Seu trabalho colabora com movimentos sociais e universidades para conscientizar sobre os efeitos do extrativismo. Premiada por instituições como a National Geographic Society e a Universidade de Harvard, Júlia já exibiu obras em diversos países. Professora na Columbia University e Montclair State University, atualmente desenvolve o projeto env-IRON-ment, documentando minas de ferro nos EUA. Também integra o MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração.
 
Lis Haddad - Lis Haddad é artista multidisciplinar que investiga a relação entre paisagens afetivas e a remodelação do ambiente por forças extrativistas ou exílio. Participou de exposições como a Bienal de Florença (2023) e Over (the) Mine, em Munique (2022). Atuou em residências artísticas na Alemanha e colaborou com a Universidade de Augsburg em projetos sobre coleções etnológicas. Foi aluna convidada da Akademie der Bildenden Künst München e integra o painel da rede Exploring Visual Cultures, com foco em arte, educação e antropologia cultural.
 
Luana Vitra - Luana Vitra é artista cujas obras exploram a relação entre matéria, memória e emoção, evocando poesia e crítica política. Influenciada por sua vivência em um contexto de mineração e marcenaria, sua prática investiga os simbolismos da matéria e suas implicações subjetivas. Trabalha com uma diversidade de materiais, criando objetos e instalações que questionam o cotidiano. Participou da 35ª Bienal de São Paulo e exibiu em instituições como Instituto Inhotim, MAM-Rio, South London Gallery e Framer Framed, em Amsterdã.
 
Mari de Sá - Artista visual formada pela Faculdade Belas Artes de São Paulo, dedica-se a causas sociais, com ênfase em livros de artista. Suas obras priorizam o uso de matérias-primas locais, promovendo a artesania como uma forma de arte comunitária e estimulando práticas colaborativas que fortalecem o vínculo entre a arte e a sociedade.
 
Murapyjawa Assurini e Coletivo Kujÿ Ete Marytykwa'awa - Murapijawa Assurini, artista, pintora, ceramista e tecelã, é a filha mais velha de Matuja e Itakyri e mãe de oito filhos. Ela enfrenta o desafio de aprender cada vez mais sobre sua cultura para dar continuidade ao legado ancestral de sua família, seu povo e as futuras gerações. O Coletivo Kujy Ete Marytykwa’awa é uma iniciativa de Mulheres Indígenas Awaete em colaboração com Mulheres Iarakynga, que busca ampliar o diálogo e a troca de saberes entre os povos. O coletivo se conecta em uma rede de cooperação, promovendo a construção social coletiva e a consciência humana por meio da (re)conexão com as terras, águas e florestas.
 
Shirley Krenak - Shirley Djukurnã Krenak é ativista e educadora indígena, engajada na luta de seu povo, os Krenak, desde a adolescência. Com uma forte conexão com sua terra, que sofre com a exploração mineradora, ela defende a importância da conscientização ambiental e da educação como ferramentas de transformação social. À frente do Instituto Shirley Djukurnã Krenak, promove o fortalecimento da identidade indígena e valores de coletividade, integrando histórias e saberes tradicionais em espaços educacionais. Shirley acredita no aprendizado contínuo como caminho para a harmonia com a natureza e a cura coletiva.
 
Silvia Noronha - Silvia Noronha é uma artista que vive e trabalha em Berlim. Suas esculturas e instalações utilizam materiais como terra, argila, vidro e resíduos eletrônicos, explorando o conceito de "geologia especulativa", onde o solo é visto como um meio de armazenar informações temporais. Reconhecida por sua pesquisa, recebeu prêmios como o Neukölln Kunstpreis (2023) e o Elsa Neumann Stipendium (2019). Seu trabalho já foi exibido em instituições renomadas, incluindo a Johannesburg Art Gallery e Kunstquartier Bethanien em Berlim.

Serviço

Abertura da exposição "Paisagens Mineradas"
Data: 30 de novembro
Visitação: terça a domingo, das 10h às 17h
Local: Museu da Inconfidência
Endereço: Praça Tiradentes, 139 - Centro Histórico
Ouro Preto - MG, 35400-000
Entrada gratuita
Duração: até 15 de março de 2025

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