O mês que marca os 9 anos do rompimento da barragem de Mariana termina dia 30 com o lançamento da exposição “Paisagens Mineradas: marcas no corpo território", no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, na região Central. A mostra reúne obras de 12 artistas mulheres e traz um olhar profundo sobre as consequências da mineração nas paisagens físicas e simbólicas do país. A visitação é gratuita e segue até 15 de março.
A escolha do local para a exposição foi carregada de simbolismo, explica a curadora Isadora Canela. O Museu da Inconfidência fica instalado na antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica, atual Ouro Preto, que representava o centro administrativo e jurídico de uma cidade que foi o epicentro do ciclo do ouro no Brasil, período em que a mineração moldou a paisagem e a história do Estado. “Ocupá-lo com obras que abordam os impactos da mineração é também reivindicar a nossa memória e denunciar um sistema secular de violações e violências, tanto em corpos humanos quanto em corpos-territórios”, diz.
A tragédia de Brumadinho é mais do que uma cicatriz na história de Minas Gerais; é um marco de luto e luta por justiça. Em 25 de janeiro de 2019, a barragem do Córrego do Feijão se rompeu, liberando um mar de lama tóxica, matando 272 pessoas e devastando vegetação nativa da Mata Atlântica, além de áreas de proteção permanente ao longo de cursos d'água.
“Não foi um acidente. O processo ainda está em curso e ninguém até o momento foi responsabilizado", relembra Helena Taliberti, presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti. "Perdemos nossos sonhos e a segurança que sentíamos. Perdi meus filhos, Camila e Luiz Taliberti, minha nora, Fernanda Damian de Almeida, grávida de cinco meses, do meu neto, Lorenzo. Perdemos tudo naquele dia 25, sonhos, planos, perspectivas", enfatiza.
"Paisagens Mineradas" é formada por obras de mulheres artistas, entre pinturas, gravuras, videoarte, instalações e fotografias. A exposição resgata a memória dos que perderam a vida e dialoga com um futuro possível: as obras expostas retratam a devastação, mas também a capacidade de regeneração. "Nos horizontes do tempo, cicatrizes desenham as paisagens do corpo, da memória e da terra. 'Paisagens Mineradas' é um convite à imaginação de um solo fértil. Nessa lama vermelho-sangue, semeamos a vida”, reflete o texto de apresentação da mostra.
O texto ainda ressalta o papel crucial do feminino na iniciativa: “esta exposição reúne mulheres artistas que, feito mãe-terra, se organizam em rede para germinar outras paisagens possíveis”. A curadora aponta que ter uma equipe integralmente feminina, inclusive na produção da mostra, reflete uma narrativa crítica sobre exploração. "Em um sistema que normaliza a violência, o que se faz com a montanha, se faz com a mulher. Pensar no lugar que as mulheres ocupam na cultura e na arte, muitas vezes apagadas na história, é uma forma de subverter a lógica de um sistema opressor", afirma Isadora.
“Essa é uma exposição sobre perda e renascimento. Uma forma de honrar cada vítima e para tornar viva a memória e busca por justiça por meio da arte”, declara Helena Taliberti. “O ato de levar ‘Paisagens Mineradas: marcas no corpo-território’ ao Museu da Inconfidência é um gesto poderoso de resistência e memória. A antiga Vila Rica, que um dia simbolizou a riqueza do ouro, hoje é ocupada por uma exposição que confronta as rupturas humanas, sociais e ambientais dessa exploração. A mostra é um convite a refletir sobre o futuro, honrando as vidas perdidas e o que ainda pode ser ressignificado”, conclui.
A exposição e sua itinerância foram idealizadas e realizadas pelo Instituto Camila e Luiz Taliberti com o intuito de levar a discussão sobre os impactos da atividade mineradora para diferentes públicos e conectar territórios afetados por essa prática. O instituto honra a memória dos irmãos Camila e Luiz, que perderam a vida no rompimento da barragem de Brumadinho, através de ações culturais e de sustentabilidade que buscam conscientizar a sociedade sobre o impacto da mineração predatória.
“Esta exposição é um convite para refletirmos sobre o futuro que está sendo construído e as consequências das nossas escolhas. Precisamos mostrar para a sociedade o que aconteceu, para que tragédias como essa não se repitam, para que a vida seja priorizada, e para que a morte deles não tenha sido em vão”, diz Helena. “A itinerância da exposição é uma forma de nos conectar com as famílias que passaram pelo mesmo trauma, com pessoas que também acreditam nessa luta e ainda agregar pessoas que se sintam tocadas pela causa e pela arte”, complementa. Antes de chegar a Ouro Preto, “Paisagens Mineradas” passou por São Paulo (SP) e Belém (PA).
Pinturas, gravuras, videoarte, instalações e fotografias: conheça o trabalho das artistas
Beá Meira - Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP (1985), investiga paisagens marcadas pela exploração e o antropoceno. Durante três décadas, desenvolveu práticas pedagógicas e colaborativas em arte, além de registrar reflexões visuais em cadernos de desenho. Em 2018, lançou Cadernos da Beá e, em 2021, retomou a pintura e técnicas de gravura, como litogravura e mokolito. Participou de exposições em instituições como o Itaú Cultural, o Museu de Arte do Rio (MAR) e a Lona Galeria de Arte, entre outras.
Coletivo ASA (Associação de Senhoras Artesãs de Ouro Preto) - Fundada em 2008 por um grupo de amigas apaixonadas por arte têxtil, a Associação das Senhoras Artesãs é um espaço de encontro e trocas de experiências, unindo o interesse comum pelo uso criativo de tecidos, agulhas e linhas. Com foco na produção artesanal, o Coletivo ASA busca preservar e promover a identidade cultural por meio de bordados e trabalhos manuais.
Isadora Canela – Artista visual e ativista ambiental brasileira dividida entre Brumadinho e Berlim. Em 2023, cofundou a ONG Webs, que colabora com refugiados, migrantes, mulheres e artistas queer de mais de 10 nacionalidades, culminando na exposição “Fragmentos de Impermanência” durante a Semana dos Refugiados de Berlim. Ela apresentou seu trabalho na conferência sul-africana “(A)Gender Matters” e participou de entrevistas na Croácia e em Munique. Em 2022, começou a cursar disciplina de mestrado em Mudanças Climáticas na UFMG. Também contribuiu com a Exploring Visual Cultures, a "Documenta 15 Summerschool", e participou da exposição "Body and Self" da Counterpoints. Entre seus trabalhos audiovisuais, se destacam o videoclipe “Leviatã” (2020), sobre fake news, e o filme “À Sombra do Sol” (em desenvolvimento), sobre astronomia indígena.
Isis Medeiros - Isis Medeiros é fotógrafa focada em fotojornalismo e fotografia documental, com trabalhos voltados a denunciar negligências de mineradoras em Minas Gerais e violações de direitos humanos. Engajada na luta por empoderamento feminino, realizou o projeto Mulheres Cabulosas da História e recebeu o prêmio Clara Zetkin. Suas fotos foram publicadas em veículos como National Geographic e BBC News. Em 2020, lançou o fotolivro 15:30, sobre o desastre de Mariana, e integra o projeto Testemunha Ocular, destacando-se como uma das principais fotojornalistas do Brasil.
Julia Pontés - Júlia Pontés é fotógrafa, artista visual e pesquisadora mineira, com foco no impacto socioambiental da mineração no Brasil. Seu trabalho colabora com movimentos sociais e universidades para conscientizar sobre os efeitos do extrativismo. Premiada por instituições como a National Geographic Society e a Universidade de Harvard, Júlia já exibiu obras em diversos países. Professora na Columbia University e Montclair State University, atualmente desenvolve o projeto env-IRON-ment, documentando minas de ferro nos EUA. Também integra o MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração.
Lis Haddad - Lis Haddad é artista multidisciplinar que investiga a relação entre paisagens afetivas e a remodelação do ambiente por forças extrativistas ou exílio. Participou de exposições como a Bienal de Florença (2023) e Over (the) Mine, em Munique (2022). Atuou em residências artísticas na Alemanha e colaborou com a Universidade de Augsburg em projetos sobre coleções etnológicas. Foi aluna convidada da Akademie der Bildenden Künst München e integra o painel da rede Exploring Visual Cultures, com foco em arte, educação e antropologia cultural.
Luana Vitra - Luana Vitra é artista cujas obras exploram a relação entre matéria, memória e emoção, evocando poesia e crítica política. Influenciada por sua vivência em um contexto de mineração e marcenaria, sua prática investiga os simbolismos da matéria e suas implicações subjetivas. Trabalha com uma diversidade de materiais, criando objetos e instalações que questionam o cotidiano. Participou da 35ª Bienal de São Paulo e exibiu em instituições como Instituto Inhotim, MAM-Rio, South London Gallery e Framer Framed, em Amsterdã.
Mari de Sá - Artista visual formada pela Faculdade Belas Artes de São Paulo, dedica-se a causas sociais, com ênfase em livros de artista. Suas obras priorizam o uso de matérias-primas locais, promovendo a artesania como uma forma de arte comunitária e estimulando práticas colaborativas que fortalecem o vínculo entre a arte e a sociedade.
Murapyjawa Assurini e Coletivo Kujÿ Ete Marytykwa'awa - Murapijawa Assurini, artista, pintora, ceramista e tecelã, é a filha mais velha de Matuja e Itakyri e mãe de oito filhos. Ela enfrenta o desafio de aprender cada vez mais sobre sua cultura para dar continuidade ao legado ancestral de sua família, seu povo e as futuras gerações. O Coletivo Kujy Ete Marytykwa’awa é uma iniciativa de Mulheres Indígenas Awaete em colaboração com Mulheres Iarakynga, que busca ampliar o diálogo e a troca de saberes entre os povos. O coletivo se conecta em uma rede de cooperação, promovendo a construção social coletiva e a consciência humana por meio da (re)conexão com as terras, águas e florestas.
Shirley Krenak - Shirley Djukurnã Krenak é ativista e educadora indígena, engajada na luta de seu povo, os Krenak, desde a adolescência. Com uma forte conexão com sua terra, que sofre com a exploração mineradora, ela defende a importância da conscientização ambiental e da educação como ferramentas de transformação social. À frente do Instituto Shirley Djukurnã Krenak, promove o fortalecimento da identidade indígena e valores de coletividade, integrando histórias e saberes tradicionais em espaços educacionais. Shirley acredita no aprendizado contínuo como caminho para a harmonia com a natureza e a cura coletiva.
Silvia Noronha - Silvia Noronha é uma artista que vive e trabalha em Berlim. Suas esculturas e instalações utilizam materiais como terra, argila, vidro e resíduos eletrônicos, explorando o conceito de "geologia especulativa", onde o solo é visto como um meio de armazenar informações temporais. Reconhecida por sua pesquisa, recebeu prêmios como o Neukölln Kunstpreis (2023) e o Elsa Neumann Stipendium (2019). Seu trabalho já foi exibido em instituições renomadas, incluindo a Johannesburg Art Gallery e Kunstquartier Bethanien em Berlim.
Serviço
Abertura da exposição "Paisagens Mineradas"
Data: 30 de novembro
Visitação: terça a domingo, das 10h às 17h
Local: Museu da Inconfidência
Endereço: Praça Tiradentes, 139 - Centro Histórico
Ouro Preto - MG, 35400-000
Entrada gratuita
Duração: até 15 de março de 2025
VEJA FOTOS:
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Paisagens Mineradas Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Paisagens Mineradas Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)
Paisagens Mineradas (Isabelle Aguiar)