Para pensar a diversidade no Dia Mundial do Rock

Thiago Pereira (talberto@hojeemdia.com.br)
Hoje em Dia - Belo Horizonte
12/07/2017 às 18:17.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:31

(Ludmila Botelho/Divulgação)

Datas obrigatórias no calendário têm o seu lado útil, mas também têm sua faceta polêmica. O Dia Mundial do Rock pode se enquadrar nessa segunda categoria. Criado depois da realização do festival Live Aid, no dia 13 de julho de 1985 (um marco da bêneficiencia, mas será que do rock? ), a efeméride traz em si, uma questão problemática: institucionalizar algo que, em teoria, não deveria ser institucionalizado. Afinal, o rock n´ roll tem como signo a transgressão e a conquista de espaços. Ficar preso no calendário não faz muito bem ao gênero. 

Curiosamente–ou não– é nesta data que emergem alguns dos piores chavões do rock, ligados à virilidade masculina, sua onipresença branca, ou às suas estruturas “clássicas” de composição.

Clichês que o distanciam ainda mais de sua origem, que é negra (como Chuck Berry), feminina (como Sister Rosetta Tharpe) e ousada (como Little Richard). “Os eventos de celebração e as homenagens na mídia feitos no dia não me representam e não ilustram o que deveriam a respeito do rock”, diz Bruna Vilela, guitarrista da banda Miêta, uma das ótimas novidades da cena rock na capital mineira. “Eu nunca lembro do dia do rock, não parece uma data comemorativa mesmo”, ecoa Raul Costa, o Retrigger, que tem o rock entre mais uma de suas muitas influências. 

Além de não se emocionarem com a data, esses artistas mineiros de alguma forma simbolizam forças fundantes, mas que parecem em falta no gênero. Soterrados por preconceitos (nada mais anti-rock, diga-se), é raro, por exemplo encontrar bandas do gênero formadas por negros, como a Pelos, um dos melhores grupos da cidade. “O rock pode ser um dos maiores exemplos do que é a tal apropriação cultural, tão discutida hoje”, acredita Robert Frank, vocalista do grupo. “Pega uma expressão cultural de origem negra, a copia, massifica e dilui ou relativiza suas origens, sua memória”. 

Já a Miêta é uma banda com três mulheres à frente na sua formação. E... “É incrível ver que as três sofrem as mesmas discriminações”, diz Vilela. “As pessoas que mais enchem o pulmão pra bradar esse ‘rock n’ roll’ muitas vezes são as que mais têm dificuldade de enxergar as evoluções que ele pode e deve ter”.

E Retrigger carrega o lado menos careta, chutando as cartilhas do rock. Investe no lado mais comportamental na “expressão do que é sujo, feio, vergonhoso, e por isso divertido e sincero. Eu persigo essa ideia, mesmo que com as ferramentas da música eletrônica”, diz.
 

O que passa pela sua cabeça quando você pensa em dia do rock?

Eu nunca lembro do dia do rock, não parece uma data comemorativa mesmo, parece mais como esses "dias do carteiro", "dia do empreendedor". Me lembra algum tipo de grupo meio sem o que fazer que aprova uma lei, com boa intenção até, mas sem muita ligação com a vivência da música. Tem o Dia da Música, que virou um festival, com palcos e música de graça em um monte de cidades, curadoria bem feita, proposta interessante de fomento da cena. Se o dia do rock fosse por esse lado, acho que faria mais sentido, não?

Talvez não poderíamos enquadrar sua música extamente no rock, mas segurante sua performance ao vivo remete um pouco a ele. O que há de rock, afinal, no Retrigger?

Rock, como ideia pra mim, é a expressão do que é sujo, feio, vergonhoso e por isso mesmo, muito divertido e sincero, nas pessoas. Com o Retrigger eu persigo essa ideia, mesmo que com as ferramentas da música eletrônica. Tem suor, tem descontrole, não é realmente cool ou parte de "uma tendência". As vezes sinto que tem gente que acha que música eletrônica segue algum tipo de lógica que vem do mercado da moda. Eu realmente não acho que é por aí.

 

O que você acha do dia do rock? É uma data que significa algo importante pra você?

Pra mim, nunca significou muita coisa. Acho interessante a ideia de um marco para relembrar a relevância histórica e cultural do gênero, mas acaba que os eventos de celebração e as homenagens na mídia feitos no dia não me representam e não ilustram o que eu acho que deveriam a respeito do rock.

Para você,como o rock reage a estas discussões todas a respeito de gênero, machismo e como isso atravessa a Miêta?

É engraçado porque, apesar de ser o gênero com o qual eu mais tenho afinidade e de ter mais influências dele na Miêta, eu deixei de enxergá-lo como "inovador", "questionador" e "pautador de comportamentos" já há um tempo. Sempre converso sobre isso com colegas de bandas. O RAP, o hip-hop e até o pop têm apresentado muito mais essa aura do "novo", esse rompimento com tradições para chegar em inovações estéticas, sonoras e sociais.

A Miêta é uma banda com três mulheres à frente na sua formação. E é incrível ver que as três sofrem as mesmas discriminações - desde quando nem nos conhecíamos e pegamos em um violão pela primeira vez, até hoje, quando já estamos tocando em festivais que consideramos importantes. As pessoas que mais enchem o pulmão pra bradar esse "rock n' roll" muitas vezes são as que mais têm dificuldade de enxergar as evoluções que ele pode e deve ter. E a Miêta tenta driblar essa inércia sempre. Como mulheres e com uma mulher negra no vocal, a ambição é de que o rock possa, sim, trazer a maior representatividade possível e os questionamentos culturais pertinentes ao momento em que estamos vivendo. Mesmo porque, para trazer novas sonoridades pro gênero - e ele evoluir com isso - precisamos que ele aceite as singularidades humanas.

O que você acha do dia do rock? É uma data que significa algo importante pra você?
 

Pessoalmente, não é algo que eu tenha um real apego, hoje. Mas acho que é importante principalmente para os mais jovens. Nos primeiros anos que passei a ouvir mais rock, lembro que a data era um reconhecimento, um reforço da afirmação da nossa identidade, de nosso comportamento diante da sociedade.

Qual é o lugar do negro no rock, hoje, diante de artistas e bandas hegemonicamente brancas? E como vocês, do Pelos, vivem isso?
 

Acho que o rock pode ser um dos maiores exemplos do que é a tal apropriação cultural, tão discutida hoje. Se pega uma expressão cultural de origem negra, a copia, massifica e dilui ou relativiza suas origens, sua memória. Forçam de todos os lados para dar um novo significado àquilo. Assim surgem reis brancos da música negra, como Elvis.

Com os Pelos sempre rolou um estranhamento fora da favela (a banda tem origens no Aglomerado da Serra). Mesmo que tenhamos crescido ouvindo rock, tocar pela primeira vez em eventos da savassi fez com que garotos brancos chegassem até a gente questionando se realmente ouvíamos Radiohead (risos)

Se você pudesse sugerir, qual seria uma data alternativa ao dia do rock?

Eu aproximaria a data ao dia da consciência negra, comemorada no dia 20 de novembro, para que em uma mesma semana pudéssemos ter um momento de maior reflexão sobre origens, descaracterização de linguagens e apagamento de identidades culturais.
 

Conheça cinco bandas que fazem parte da história do rock de Belo Horizonte

 1- 14 Bis

2- Kamikaze

3- Sepultura

3- Sexo Explícito

5- Último Número

 6- Virna Lisi

 7- Surfmotherfuckers

8- Diesel

9- Monno

10- Carolina Diz

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por