Piscadelas pop de César Lacerda

Hoje em Dia - Belo Horizonte
13/11/2017 às 13:34.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:41

“Eu sei que sua realidade é toda difícil, cheia de batalha e adiamento, mas acredito de verdade que se um dia o Brasil dominar o mundo vai ser por beleza e doçura”. O recado do escritor português Valter Hugo Mae, presença de luxo ímpar entre outros luxos em “Tudo Tudo Tudo Tudo”, quarto disco de Cesar Lacerda, aponta uma tese interessante ao decompor dois aspectos centrais na obra de Lacerda.

Beleza e doçura são mesmo dominantes na discografia do jovem mineiro, que segue no novo álbum colecionando canções embalsamadas pelo som confortável de sua voz e singeleza de ótimas canções. Mas algo mudou: talvez não seja um exagero afirmar que este seja o disco pop de Lacerda, uma chancela que carrega dimensões bastante positivas (a pensar inicialmente na captura de um merecido público mais amplo) mas também algumas escorregadas, pelo menos para os ouvidos deste que escreve.

Curiosamente, estão justamente nas outras presenças externas de destaque os elos menos inspirados do disco. O dueto com Maria Gadú em “Quando Alguém” é apenas bonitinho, uma canção pronta as rádios, na cola de featurings quase obrigatórios na dinâmica pop atual. Já a versão para “Me Adora”, de Pitty, escolhida como primeiro single e clipe do disco, é dispensável: o que funciona no plano das ideias (explicitar o dramático e urgente da letra) na prática perde a ambiguidade rock  naif da original soando arrastada demais.
No mais, estão os (muitos) méritos do álbum. A abertura, com “Isso Também Vai Passar” seria algo que poderíamos chamar de Lacerda clássico: a assinatura vocal doce, convidativa, a melodia linda e harmonia sedutora. Outras qualidades típicas do cantor e compositor se espalham em uma inspirada trinca: as lindas românticas e mezzo caêtanicas “O Fim da Linha”, “Por um Segundo” e “Percebi Seus Olhos em Mim”. Outros belos desdobramentos da verve MPBística do músico são a sambeada “O Marrom da sua Cor” e a batida de “O Homem Nu”.

Mas, seguramente, os maiores acertos na guinada pop de Lacerda são as mais desbragadamente aderentes ao ouvido, em especial duas canções que ficam na cabeça por dias– e há mérito maior para uma canção?

Porque você mora assim tão longe?” é a tal balada clássica, que poderia ser regravada ad eternum por intérpretes de peso na música brasileira e que ainda assim manteria a versão definitiva com o autor. Trata-se daqueles momentos que capturam uma linhagem de pop brasileiro de Rita e Roberto de Carvalho, Lulu Santos, Nando Reis. 

Já a surpreendente “Sei Lá, Mil Coisas” chega com uma pegada pop deliciosa e com um sotaque country no refrão que o aproxima, sem ressentimentos, até com coisas que estamos ouvindo nas rádios mais populares. De saldo, outro grande disco com a assinatura do músico, que se tivesse tirado um ou dois “tudo” no álbum, talvez seria ainda mais certeiro.

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