(Paramount)
Com a estreia nesta quinta-feira (3) de “Noé” e de “O Filho de Deus” nas próximas semanas, uma nova safra de filmes bíblicos aporta no mercado exibidor em conjunto com épicos baseados em fatos (“Pompeia”) e lendas (“Hércules”) da História antiga. Fenômeno semelhante aconteceu nas décadas de 50 e 60 com filmes como “Os Dez Mandamentos”, “Ben Hur” e “Spartacus”. O aprimoramento dos efeitos especiais pode ser uma das explicações para essa retomada, mas certamente não é a única.
Além de um interesse maior em histórias mágicas impregnadas de realismo (uma das contribuições de “O Senhor dos Anéis”), o cenário sócio-político também serve como motivador, especialmente se observamos o grande tema de “Noé”.
Desconfiança
Não se trata simplesmente da reprodução de uma importante passagem bíblica e do reforço numa crença religiosa. Tenso, de clima pesado, um pouco experimental para um filme comercial e violento, “Noé” aborda a desconfiança na humanidade.
Dirigido por Darren Aronofsky, que tem em sua filmografia esse mergulho no lado mais obscuro e desconhecido do homem, sempre com um pé na metafísica, como em “Fonte da Vida”, o longa reflete esse estágio de dúvida sobre todas as coisas.
Num momento em que questionamos se um mero e-mail está sendo acessado e vigiado do outro lado do planeta, ferindo a nossa privacidade, até mesmo os filmes de Hollywood parecem discutir essa perda de credibilidade nas instituições e nos governos.
Expurgo moral
Enquanto “Capitão América 2”, que estreia na próxima semana, apresenta uma rede nazista infiltrada nos grandes escalões da administração norte-americana, “Noé” espalha essa sensação de insegurança por toda a humanidade, como se exigisse um novo expurgo moral.
Essa é a principal diferença dos clássicos bíblicos de 50 anos atrás para a revisita atual. Os antigos filmes usavam os episódios para amparar a fé cristã e lembrar-nos que Jesus Cristo foi crucificado para nos salvar. Eram obras em que saímos com o espírito renovado.
No lugar de alívio, o final de “Noé” nos deixa incomodado, chamando a atenção para uma de suas pontas soltas: a discordância – transformada em ódio – de Cam sobre a ação de seu pai, vivido por Russel Crowe, em não permitir que leve uma mulher para a arca.
Polêmica
O conflito é o cerne central da narrativa, culminando numa questão de interpretação e também em sentimento de culpa. A ousadia de Aronofsky é mostrar um servo de Deus que, rígido em suas ordens, acaba assentindo que tomou atitudes erradas.
É o bastante para se criar polêmica, somada às licenças que o realizador, autor do roteiro ao lado de Ari Handel, tomou em relação à historia original. As mudanças parecem atender a essa vontade de trazer o tema para os dias de hoje, estampado no protagonista.
Noé deixa claro que não gosta dos humanos, sacrificando a própria família se necessário for. E usa a violência para justamente combater a maldade inerente aos homens, quando, numa da cenas mais catárticas do filme, ataca todos que tentam invadir a arca.