Premiado filme “Pelo Malo”, da venezuelana Mariana Rondón, tem pré-estreia neste sábado

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
17/04/2014 às 07:22.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:09

(Califórnia)

Abraçando como suas principais armas a sutileza e o simbolismo, a diretora venezuelana Mariana Rondón constrói no filme “Pelo Malo” uma consistente crítica ao “chavismo”, nome dado à política socialista implantada pelo ex-presidente Hugo Chávez (falecido no ano passado) no vizinho sul-americano.

Após uma carreira de vários prêmios em festivais internacionais, entre eles a Concha de Ouro em San Sebastian, na Espanha, o longa será lançado nesta quinta-feira (17) simultaneamente no Brasil e na Venezuela. Em BH, haverá pré-estreia no sábado, no Ponteio.

“Eu diria que, mais do que uma crítica, estou tentando mostrar o estado da alma de um país ferido e violento”, observa Mariana, em entrevista ao Hoje em Dia, pouco antes de desembarcar em São Paulo, onde também apresentaria a instalação interativa “Superbloque”, inspirada no filme.

Machismo

A cineasta registra que, ao acompanhar a história de uma mãe que pressupõe que seu filho estaria se assumindo homossexual, ao permitir que a avó alise seus cabelos, “Pelo Malo” busca mostrar o impacto sobre os seres humanos de todas as políticas e, especialmente, o estado de polarização do país e sua maior consequência – a falta de respeito ao outro e às suas diferenças.

Esse desrespeito pode ser sintetizado numa palavra: machismo. “Ele sempre existiu na Venezuela. Sempre se considerou que ser miss ou militar é a melhor maneira de ter promoção social. Dois motivos vazios de vida: a falsa beleza e o falso poder das armas. Isso contribui para a sociedade ser sexista”, pondera.

Como em sua obra anterior, “Postais de Leningrado” (2007), a realizadora estabelece essa análise a partir da ótica infantil. “Interessa-me a infância, porque é um momento da vida em que as feridas se tornam irreversíveis”.
 
Preconceito dentro e fora de casa
 
O machismo se revela tão entranhado na cultura venezuelana, principalmente nas ditas “classes baixas”, que se faz presente mesmo quando os elementos masculinos estão ausentes dentro da narrativa.

É o que aponta “Pelo Malo”, ao acompanhar o conflito entre a mãe de Junior (Samuel Lange Zambrano) e a sua sogra, maior incentivadora para que o neto invista na carreira artística. A disputa começa quando Junior deseja alisar o cabelo para a foto do álbum de formatura da escola. A avó ajuda, mostrando as imagens de um cantor popular como modelo. Ocorre que ele seria “efeminado”

Matriarcado
 
A mãe, é viúva, tem tanto temor que o filho se torne homossexual que chega a transar com o namorado às vistas de Junior, achando que, assim, o garoto terá uma referência masculina.

Mas tanto ela quanto a avó são movidas por medos legítimos: a morte do filho após ter se juntado à bandidagem, no caso da primeira, e o receio da mãe de que Junior seja hostilizado.

“A Venezuela é um grande matriarcado. Os homens, sobretudo nas classes populares, abandonam os lugares onde cresceram, e as mulheres acabam tendo dois papéis, os de pai e mãe”, salienta a diretora Mariana Rondón.

Homofobia

A cineasta destaca que o homem ocupa um lugar mais simbólico – o do poder. Apesar de assentir com o viés sócio-político de seus trabalhos, Mariana assinala que se interessa mais pela possibilidade de abordar o tema a partir de uma ótica intimista.

A questão da homofobia, curiosamente, alimenta outra produção venezuelana premiada: “Azul y no tan Rosa”, de Miguel Ferrari, ganhadora do Goya (o Oscar espanhol) de melhor filme ibero-americano.

“São filmes completamente distintos e, além disso, não são os únicos no país que tratam disso. Creio que outros três aparecerão nos próximos meses”, pondera a cineasta.

História familiar reflete cultura venezuelana

O que mais impressiona no filme “Pelo Malo” é como uma história tão particular pode apresentar algo bem mais amplo, atingindo com força o cerne da cultura venezuelana.

A bem da verdade ela não é tão diferente de outras sociedades, como a brasileira, que parecem obedecer apenas a uma lógica maniqueísta, que acaba se revelando pobre e nociva.

O bom, no caso dos homens, é ser militar. E, para mulheres, o ápice está num palco de Miss Universo. Muito simbólico de uma Venezuela machista e calcada na hierarquia militar.

Transformação

Qualquer aspecto que se diferencie desses papéis é visto com maus olhos. A homossexualidade, ainda que não cristalizada, passa a ser o oposto desse ideal de sociedade.

O fato dessa desobediência surgir numa criança é sinal de uma transformação que logo querem abafar. A homossexualidade ganha, assim, um acento mais político do que comportamental.

Conflito que evidencia uma cultura que vive do medo e da repressão para afastar o que não é entendido, trazido à tela de maneira sensível, a partir do que o protagonista absorve do mundo ao seu redor.

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