Programação de qualidade com preço popular leva público fiel ao Cine Humberto Mauro

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
24/02/2014 às 07:21.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:13
 (Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

(Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

Todos os dias, antes do início de cada sessão, o grupo pode ser visto na parte da frente da fila, conversando animadamente e esperando o sinal do porteiro para ocupar as primeiras poltronas da sala de cinema do Palácio das Artes, que passou a ser uma espécie de segundo lar para eles.

Diferentemente dos espectadores atuais, eles não querem saber de ver filmes no conforto de casa, mesmo quando já estão disponíveis em DVD, blu-ray ou para downloads. São jovens, aposentados e cinéfilos que transformaram o Cine Humberto Mauro num dos espaços públicos mais frequentados de Belo Horizonte.

“É uma experiência única. De pré-adolescente a idoso, os frequentadores se sentem como numa faculdade de cinema”, observa Bartolomeu Cremonezi, paraense de 24 anos, fã de filmes de terror, e que aprendeu também a amar os clássicos após acompanhar a programação do CHM.

O perfil de público pode ser distinto, mas as razões para se tornarem espectadores de carteirinha do cinema são as mesmas: as grandes mostras dedicadas a diretores do cinema clássico, como as de Howard Hawks e Alfred Hitchcock, que ajudaram a levar 53.927 pessoas à sala no ano passado.

Qualidade

“Sempre frequentei o CHM, mas agora me tornei mais assídua porque há um cuidado com a seleção dos filmes, exibindo mostras de grande qualidade”, assinala Virgínia Campos, formada em Letras e hoje aposentada. “Mesmo quando não é para ver filmes, vamos sempre lá para nos encontrar”, completa.

O ex-bancário Marcos Vinícius Lopes também é fascinado por esse ambiente. Um de seus maiores prazeres é circular pelo Palácio das Artes enquanto não está na hora da sessão começar. “Fico no café, dou uma passada nas exposições e na livraria”, registra Marquinhos, como prefere ser chamado.

Rafael Ciccarini, que coordena a programação do CHM, salienta que o cinema, historicamente, sempre se voltou para a formação do público, mas comemora o que ele define como “a família” do Humberto Mauro. “O espaço é público e as pessoas sentem que realmente é delas, como uma extensão de suas casas”, analisa.

Mostras ajudam a formar público

Bartolomeu Cremonezi é o maior exemplo de que o público do Cine Humberto Mauro mudou, encampando jovens que normalmente preferem os blockbusters exibidos nas salas de shopping ou baixar os filmes na internet.

Mesmo preferindo obras do gênero terror, que não são exibidas com preferência no CHM (salvo quando são clássicos da década de 30, reunidos numa mostra apresentada no final do ano passado), é um dos mais assíduos frequentadores do espaço.

Sua relação com o cinema do Palácio das Artes começou há dois anos, época em que a programação passou a ter como carro-chefe a realização de retrospectivas completas, acompanhadas de debates e catálogos.

PAIXÃO

“Foi um amigo meu que me indicou, avisando que iria começar uma mostra de filmes de Charles Chaplin. Na época, estava tentando passar no vestibular de Medicina e tinha um interesse cultural. Acabei me apaixonando pelo lugar”, afirma.

Cremonezi não só se apaixonou à primeira vista como também desistiu de ser médico. “Ironicamente, o Humberto Mauro foi um dos fatores que me fez desistir. Percebi que meu interesse maior era pela área de Humanas”, destaca.

Depois de “chutar o balde” em 2013, assistindo às três sessões diárias do cinema sem qualquer remorso, agora ele pensa em prestar vestibular para História. Virar cineasta não está em seus planos. “Preciso de uma base financeira”.

CHAPLIN POR R$ 1

Nascido em Parauapebas, município do sudeste paraense onde está a serra de Carajás, uma das maiores reservas minerais do mundo, ele é cinéfilo desde criança, quando começou seu gosto por obras de terror.

Recorda que, na locadora próxima de sua casa, quanto mais se alugava filmes em VHS, menos se pagava. “Cheguei a alugar os longas de Chaplin por R$ 1 cada”, registra.

Frequentador assíduo acaba dando palpite na programação da sala

Entre os benefícios de ser um frequentador assíduo do Cine Humberto Mauro está o de fazer sugestões aos programadores da sala.

Não é nada oficial, mas a amizade estabelecida no dia a dia propiciou que o grupo fizesse sua “listinha” de preferidos.

TERROR E COUTINHO

Bartolomeu Cremonezi espera ver os trabalhos italianos no gênero terror, como aqueles dirigidos por Mario Bava e Lucio Fucci.

Já Marcos Lopes quer rever os filmes do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, recentemente assassinado pelo filho com problemas mentais.

Lopes foi bancário por 30 anos. Há dois está desempregado. Enquanto tenta passar em concursos públicos, faz do CHM a sua segunda casa. Assim como Cremonezi, passou a intensificar as suas idas à sala quando deram início às retrospectivas.

SIMBIOSE

Virgínia Campos também faz parte dessa turminha. Aposentada, explica que ficou mais “engajada” ao alcançar 50 anos e se aposentar.

“Por ser formada em Letras, sempre li muito. Vejo um diálogo muito interessante entre cinema e literatura. É uma simbiose”, avalia.

Ela enxerga na formação do grupo um aspecto de sociabilização. “É um pessoal bem variado e eclético, o que nos enriquece ainda mais”, observa.  

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