O cineasta César Charlone chegou em casa às 2h de segunda (3) após um domingo intenso de gravações. Deitou-se na rede, acendeu um charuto, e reviu seu média metragem documental "Nada Será como Antes, Nada?" (1984).
Ele acabara de registrar mais um dia na rotina Fernando Haddad (PT), que acompanhou durante a campanha à reeleição para um documentário aos moldes de "Entreato", que João Moreira Salles rodou sobre Lula em 2002.
A derrota do petista naquele domingo (2) para João Doria (PSDB) o lembrou de outra derrota, de Lula, quando perdeu a disputa ao governo de São Paulo em 1982. Charlone também filmou os bastidores daquela campanha e da formação do PT em "Nada Será como Antes, Nada?", que quis rever "para lembrar que a história é um círculo".
Fotógrafo de "Cidade de Deus" e diretor de "O Banheiro do Papa", o cineasta uruguaio radicado no Brasil assina também a primeira série brasileira da Netflix, "3%", que estreia em novembro.
Ao mesmo tempo, está à frente de outro projeto sobre a política: um documentário sobre o impeachment de Dilma Rousseff, em parceria com Anna Muylaert e Lô Politi.
Outros quatro filmes de cineastas brasileiros registram o impeachment, em uma profusão de narrativas semelhante em que Charlone traça paralelos com os registros sobre a queda do governo chileno Salvador Allende, em 1973 -destaca "A Batalha do Chile", de Patricio Guzmán.
Para contar a história do impeachment, os cineastas praticamente moraram com a ex-presidente durante dois meses no Palácio da Alvorada, em Brasília.
Documentando Haddad, acompanhou seus compromissos de campanha, parte da rotina em casa e diz ter se surpreendido com a amizade entre o petista e seu candidato a vice, Gabriel Chalita (PDT). No domingo (2), o acompanhou até o diretório do PT, onde o atual prefeito discursou e cumprimentou Doria, por telefone. Percebeu-o abatido.
Nos bastidores das duas derrotas petistas deste ano, Charlone vê o atual momento como o final de um ciclo da esquerda no país. "Estamos vivendo ares muito retrógrados", ele resume.
A vitória de Doria, diz, se relaciona com a do conservador Mauricio Macri na Argentina e a candidatura republicana de Donald Trump nos EUA. Os três, comenta, são empresários bem sucedidos que entraram na política em uma "era Trump".
A história, para Charlone, é um círculo. Sobre as duas que está contando, ainda não sabe como as terminará. Se continuarão as gravações com Dilma em Porto Alegre, onde a ex-presidente mora desde a cassação de seu mandato pelo Senado em setembro, ou se vão registrar a manifestação em apoio a Haddad em São Paulo, no domingo (9), para a qual o petista confirmou presença: "Tem um momento em que os filmes autodeclaram que estão prontos".