A aptidão de Rodrigo Borges para a música floresceu muito cedo. “Ainda mais tendo professores de alto nível dentro de casa”, diz o moço, cujo sobrenome dissipa dúvidas: sim, ele pertence ao clã atavicamente ligado à história da música feita em Minas. Pensou em Márcio, Lô Borges? Pois bem, tios. Marilton? Pai. Desnecessário acrescentar que Rodrigo cresceu em meio a medalhões – do naipe de Milton Nascimento e Fernando Brant. “Conviver em ambiente tão musical, cercado de instrumentos, certamente catalisou e direcionou a minha escolha. Mas sempre de forma muito leve. O violão sempre foi meu brinquedo favorito. Isso facilita muito, poder trabalhar com o que gosto”, diz ele, que logo adentra ao Grande Teatro do Sesc Palladium, dentro do projeto “Mesa Brasil Musical”, na noite desta quarta-feira (7), convidando Milton Nascimento, Lô Borges e Daniel Jobim para a gravação do DVD de seu primeiro álbum, “Qualquer Palavra” (independente, com participações de Marilton, Lô e Lenine). Os ingressos gratuitos foram distribuíos no final do mês passado.
“O repertório do show passeia pelas faixas do disco, passa pela bossa nova e mergulha no Clube da Esquina. O público pode esperar um espetáculo feito com muito coração e alegria”, promete ele.
Chegou a pensar em outra profissão?
RB: Mesmo com o ambiente favorável eu não fui criado pra ser músico. Tive todo estudo formal: fundamental, médio, faculdade, pós, mestrado. A comunicação social teve papel importante em minha formação profissional e intelectual. E a música certamente se aproveitou disso. Toco profissionalmente desde a adolescência. E trabalhei com rádio durante muitos anos. Geraes FM, Inconfidência, Guarani, Rádio UFMG Educativa, Oi FM. Isso foi maravilhoso para desenvolver meu texto, relacionamento no mercado fonográfico, conhecimento da produção artística mundial. Vivemos na era interdisciplinar. Pessoas multi. Parafraseando meu avô Salomão Borges: "o saber não ocupa lugar".
Qual a reação de seus pais e parentes à sua escolha?
RB: Sempre tive muito apoio dentro de casa. Meus pais sempre se preocuparam em garantir a melhor educação que eu pudesse ter. Independente da escolha profissional. O fundamental para eles é que eu estivesse preparado para a vida e para bancar minhas próprias escolhas. Este sempre foi o espírito da minha família. O Clube da Esquina só foi possível porque meus avós - Salomão e Maricota - possibilitaram que os filhos desenvolvessem os talentos para a arte de forma livre e escolhessem os próprios caminhos na vida sem qualquer tipo de direcionamento ou imposição. É um tipo de pensamento muito libertário. Ainda mais se considerarmos que isso aconteceu na Belo Horizonte dos anos 60 e 70.
Aliás, imagino que, tendo crescido no seio dessa família icônica, saiba que sim, a profissão tem seus riscos, seus altos e baixos... Qual o conselho mais sábio que recebeu de seu pai?
RB: O maior exemplo que recebi de meu pai foi o do trabalho. Encarar a música como profissão, ofício. Trabalhar diariamente, estudar sempre, ampliar a base de conhecimento, cumprir horários, ser um profissional exemplar. Importante pensar na música como ofício. Deixar de lado a ideia de talento sobrenatural, dom messiânico, astro do rock. A música é uma profissão dura e, como qualquer outra, exige investimento de tempo, qualificação, profissionalismo e capacidade de adaptação. Fundamental a consciência de que devemos produzir sempre e trabalhar com afinco.
E de seu tio, Lô?
RB: Lô também é um grande exemplo de capacidade de trabalho. Ele trabalha a música como um arquiteto. Construção, suor. 10% inspiração e 90% transpiração. Ele acorda cedo e trabalha arduamente nas ideias musicais. O Lô é - além de grande compositor - um grande artesão. Todo mundo tem aquela ideia do artista como uma antena parabólica do divino. Que a inspiração é incorporada, como um espírito que se materializa. A verdade é que produzir música é como produzir um texto jornalístico ou publicitário. Tem que sentar, rascunhar, produzir, avaliar, ter senso crítico e descartar quando não ficou bom. Composição é trabalho duro.
Ao disco, pois... Como foi sendo montado, o repertório? Que critérios te nortearam para incluir as músicas que aqui estão? Pensou em um conceito?
RB: Quando o disco começou a ser gravado eu não tinha um número muito grande de músicas. Muitas das ideias tomaram forma durante o processo, dentro do estúdio. O disco foi amadurecendo a cada audição. Meu senso crítico definia a permanência ou inclusão das canções. Foi um processo cansativo de trabalhar as músicas à exaustão. Trabalhar os detalhes e ter a humildade e flexibilidade de reconhecer o que não estava tão legal. O disco, conceitualmente, discute a questão da liberdade, da valorização da individualidade de cada um, da necessidade de você trabalhar com o que gosta na vida. É um outro tipo de individualismo, nos moldes do que o Alain Tourain diz. A pessoa é para o que nasce. Você tem maior probabilidade de se sentir completo quando trabalha e desenvolve o seu talento. A canção "Qualquer Palavra" nasceu em momento de angústia, quando eu trabalhava de 15 a 18 horas por dia, rádio, professor universitário, a música ficando de lado pela necessidade de sobrevivência. Tudo que eu queria era fugir com o circo. E o disco conseguiu operar essa transformação em minha vida.
Alguma composição teria uma história especial, a compartilhar com a gente?
RB: "A volta de Sally's Tomato", parceria com Beto Lopes e Márcio Borges. Foi minha primeira composição, está no disco. Ela foi a minha abre-alas. De cara com dois mestres e amigos. Meu tio, Marcinho, fez uma letra homenageando meu pai e o tema "Sally's Tomato", de Henry Mancini, do clássico do cinema "Bonequinha de Luxo". Tenho um carinho muito grande por ela. Foi a canção que me sugou pro universo da criação.
Pode falar sobre o Milton Nascimento, esse totem da música mineira, brasileira e mundial?
RB: Tenho um carinho de filho pelo Bituca. Ele sempre foi muito generoso comigo. Sempre me tratou como filho, abrindo a porta da própria casa. Sempre foi um ótimo parceiro de conversas, estórias, noites de bom papo. Foi um dos primeiros a ouvir o disco, a incentivar, vibrar com a minha escolha pela vida na música. É um cidadão do mundo, dos maiores criadores do planeta, com estilo à parte na MPB. E ainda tem essa voz. O mais legal é que ele mantém a simplicidade, o amor pelos amigos e pela música. Bituca também é um exemplo de trabalho duro. E continua a pleno vapor. Exemplo pra todos.
Pode nos falar sobre a estruturação do show, o que está reservando ao público?
RB: O repertório do show passeia pelas faixas do disco, passa pela bossa nova e mergulha no Clube da Esquina. O público pode esperar um espetáculo feito com muito coração e alegria. Vamos fazer e cantar o que amamos. E curtir tanto quanto a plateia.