Sonia Imanishi expõe arte que nasceu da dor e da superação

Elemara Duarte - Hoje em Dia
08/04/2014 às 08:19.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:00

(Lucas Prates)

O futuro está nas nossas mãos e esta máxima, para a fotógrafa e, agora, ceramista Sonia Imanishi está longe de ser um clichê. Ela reconstrói a vida por meio do barro, da dedicação e da humildade e mostra os primeiros resultados deste esforço a partir desta terça-feira (8), às 19 horas, até 19 de abril, na exposição “Recomeços”, no bar Balaio de Gato, em BH.

Dedicação ela diz que sempre teve para extrair o melhor da vida. Humildade para recomeçar, ela aprendeu com a única filha Yumi Faraci. Há quatro anos, a jovem morreu soterrada, junto com outras pessoas, depois que uma avalanche de terra destruiu a pousada da família em Angra dos Reis, em pleno Réveillon.

Já a paixão pela cerâmica Sonia aprendeu com a generosidade do destino, que lhe colocou em lugares certos e junto de uma nobre vizinhança composta por “artistas do barro” já consagradas em Minas Gerais, como as ceramistas Erli Fantini, com quem aprendeu a modelagem; e Laila Kierulff, que lhe passou as técnicas com o torno – como mostra a foto ao lado.
 
Esforço

Na casa da artista, na região de Brumadinho, ela construiu seu ateliê, onde, junto da natureza e com dedicação quase “zen”, ela se debruça no novo ofício, às vezes, a partir das 4h. Justamente da terra que tanta dor lhe trouxe, ela faz arte e prova que recomeçar é questão de querer.

A inspiração das peças vem daquilo que ela via da pousada que comandou com o marido por décadas, na cidade fluminense: as ondas dos mares verdes. “Tenho 30 anos de mar”, brinca a artista, hoje, aos 54 anos. Nos anos 1980, Sonia chegou a se formar em comunicação visual, na Fundação Mineira de Artes Aleijadinho (hoje UEMG), mas abandonou a profissão para se dedicar ao empreendimento.

Em casa, lembranças da filha estão em todos os cantos. Nas peças em cerâmica também. Um esmalte de cor prateada e textura macia, a artista criou em homenagem à filha. A exposição também é dedicada à jovem estudante de arquitetura, que morreu aos 18 anos. Precoce, Yumi falava cinco idiomas, tocava violão, teclado, compunha e reunia títulos como o de ser a segunda mulher a conquistar a faixa preta na arte marcial kobu-dô.

Hoje, em Angra dos Reis, Sonia e o marido são chamados para homenagens nas escolas públicas, que batizaram os “polos musicais” com o nome da garota. Eles também são presença certa em outras cidades do Rio de Janeiro, onde é realizado o Torneio Estadual Yumi Imanishi Faraci de Kobu-dô. Homenagens espontâneas que dão orgulho ao coração saudoso dos pais.

E Sonia segue adiante. É preciso sempre recomeçar. “Alguma missão ainda tenho. Voltei para o mundo da arte”, reflete. Primeiramente, a ideia era aprender a fazer o mais belo pote em cerâmica para colocar parte das cinzas da filha. “Mas tentei e não consegui chegar ao ideal”, considera a artista, que neste processo, criou sua primeira exposição.

"O barro que entrou na minha casa, eu o transformei"
 

Um nova leva de peças da ceramista Sonia Imanishi, que estava pronta, vai para a queima no forno no ateliê da também ceramista Erli Fantini. O forno é um dos maiores de Minas Gerais e, provavelmente o único em estilo japonês “noborigama”, com várias câmaras.

O episódio se repete três ou quatro vezes por ano e reúne ceramistas durante quase dez dias, em uma espécie de ritual para dominar o fogo e extrair o que Sonia chama de “alma” das peças.

Esta alma peculiar de cada peça é identificada pelos tons nas superfícies depois da “viagem” pelo fogo. Transformação que encanta uma artista em busca de “recomeço”. Um azul que fica esverdeado, um negro que fica verde e um rosa que transfigura-se em vermelho vivo.

Erli Fantini, ceramista há 40 anos, explica que a próxima “queima” terá início nesta quarta-feira. “Começa com pouquinho fogo, vai aumentando devagarinho, colocando lenha e termina no sábado, com quase 1300 graus centígrados”, descreve.

Para se ter uma ideia, os fornos domésticos chegam no máximo a 300 graus, segundo Erli, no caso, para assar um demorado pernil. “Para assar um bolo, chega a 200 graus”, compara. Nesse processo, os artistas alternam no abastecimento de madeira de reflorestamento da fornalha – tudo licenciado. Alguns, dormem no local. Uma canja, um caldo são bem-vindo à noite. Erli se encarrega de tudo.

Depois, a mesma lentidão que foi usada para aquecer é aplicada para o esfriamento. Mais quatro ou cinco dias para que as cerca de 500 peças, de variadas origens criativas – entre elas, da estreante Sonia Imanish – adquiram suas novas “almas” estéticas.

“Sonia foi uma surpresa para mim”, afirma Erli, que também ministra aulas de cerâmica. Para ela, a aluna tem um desenho “inovador” com o traço oriental que “traz no sangue”.
 
Labuta diária

“O barro que entrou na minha casa, eu o transformei”, resume. Da janela do ateliê, os vizinhos veem a labuta da artista. A amiga passa lá em cima para a caminhada matutina e a chama para ir junto: “Tenho muito trabalho hoje”, desculpa-se Sonia, diante do torno onde nasce mais uma criação.

A próxima investida da fotógrafa e ceramista será a porcelana. Fazendo jus à tradição de seus antepassados da “terra do sol nascente”, onde louça é tradição e arte das mais distintas. “Tem que gostar do que faz, independentemente se você tem uma história de vida pesada. Cada um tem um jeito. Eu me encontrei na cerâmica”, ensina Sonia, sem tirar os olhos do indo e vindo das ondas desenhadas em uma peça sobre o torno.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por