Sucesso editorial, “holocausto brasileiro”, da mineira Daniela Arbex, chega à TV

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
Publicado em 13/06/2015 às 08:44.Atualizado em 17/11/2021 às 00:27.
Daniela Arbex confessa: entende pouco da linguagem cinematográfica. Apesar dessa “inexperiência”, a jornalista mineira não abriu mão de participar da transposição de seu livro “Holocausto Brasileiro” (Geração Editorial), que já vendeu mais de 100 mil exemplares, para a TV.
 
Em abril, Daniela e Armando Mendz filmaram as últimas cenas do documentário, que será levado ao ar no primeiro semestre de 2016, no canal pago HBO. “Modéstia à parte, eu dominava o conteúdo”, justifica Daniela em entrevista ao Hoje em Dia.
 
Não é para menos: foi ela quem reuniu, após anos de pesquisa, uma alarmante denúncia sobre o Hospital Colônia de Barbacena, onde, durante oito décadas, milhares de pessoas foram internadas, tratadas como loucas e mortas. Foi um genocídio: 60 mil corpos, muitos dos quais vendidos pelo manicômio.
 
Relatos fortes
 
A jornalista define o documentário como uma continuação do livro. “Envolve tudo o que aconteceu após o lançamento da obra. Parentes de pessoas que morreram por lá nos procuraram, trazendo relatos fortes e emocionantes”, adianta ela, que conduziu as entrevistas.
 
“Como era um livro que vendeu muito e teve repercussão, desde o início não quisemos filmar o que estava impresso. Na verdade, extrapolamos, entrevistando pessoas que não concordavam com o livro e que, na verdade, confrontaram a Daniela”, salienta Armando Mendz.
 
O cineasta mineiro, que assinou um dos episódios do longa “5 Frações de uma Quase História”, observa que não concebeu “Holocausto Brasileiro” pensando no suporte no qual será apresentado ao público. “Não fiz um filme em blocos, para me aproximar da linguagem da TV. Só queria fazer um bom longa”.
 
Um dos pontos altos é o encontro de Daniela, do fotógrafo Luiz Alfredo (que publicou uma reportagem sobre o tema em 1961, na revista “O Cruzeiro”) e do diretor Helvécio Ratton (que, em 1979, fez o documentário “Em Nome da Razão”). 
 
Enquanto o filme passa pelo processo de montagem, Daniela se concentra em “Cova312”, seu novo livro, no qual retoma sua veia investigativa. Em BH, o lançamento será na próxima quarta, na Leitura BH Shopping.
 
Entrevista
 
Daniela Arbex - ‘As grandes reportagens sempre terão o seu lugar’
 
Um dos maiores trunfos da carreira de Daniela Arbex está agora espelhado no título de sua mais recente investida no mercado literário, “Cova 312”. Os três números indicaram à jornalista o local no qual o corpo do guerrilheiro Milton Soares de Castro, até então dado como desaparecido, estaria enterrado, 
 
Após várias investigações, Daniela descobriu o paradeiro do cadáver, comprovando o que seus colegas de cela (na penitenciária Linhares, em Juiz de Fora) haviam alertado: Castro havia sido assassinado – até então, a tese sustentada era de suicídio. Foi o único que não sobreviveu ao cárcere. E, curiosamente, também foi o único civil preso no cerco aos militantes abrigados na Serra do Caparaó, divisa de Minas e Espírito Santo. Não recebeu a mesma relevância de Marighella ou Lamarca. Mas era exatamente essa história anônima que Daniela queria descortinar.
 
“Cova 312” traz elementos que remetem à sua obra anterior, “Holocausto Brasileiro”, principalmente ao mostrar pessoas confinadas e torturadas em instituições do Estado.
 
Na verdade, os livros se encontram na questão do silenciamento, pessoas que não tiveram voz e histórias que foram acobertadas. Esse tema me instiga muito, pois a função do jornalista é descortinar a verdade.
 
Nos livros, você recorre a esse viés investigativo para construir uma narrativa em forma de romance, levando o leitor a desbravar um mundo novo e secreto.
 
É uma característica do meu trabalho, com histórias que trazem essa dinâmica de narrativa. No caso de “Cova 312”, meu objetivo foi desmontar a versão do suicídio. Mas o livro é também a história de outros militantes que foram parar nesse lugar, um dos mais importantes e desconhecidos da época da ditadura, tendo recebido as principais lideranças mineiras de hoje, Marcio Lacerda e Fernando Pimentel. É a primeira vez que Lacerda fala dessa experiência de quase quatro anos em Linhares.
 
Com tantos livros e filmes sobre o assunto, é curioso que Linhares não tenha sido abordada antes...
 
Ainda há muita coisa a ser revelada sobre a ditadura no país. Muito se fala, mas pouco se conhece sobre o período. Esse é um exemplo. Sempre falo que é preciso buscar novas formas de resposta a velhas dúvidas.
 
O que levou Marcio Lacerda a falar sobre o episódio?
 
Acho que ficou muito tocado com o meu convite. Fiz uma pesquisa na Auditoria Militar de Juiz de Fora e achei vários documentos sobre a prisão dele, quando era muito jovem. Mandei algumas cópias para a assessoria dele e acho que isso o levou a romper o silêncio. O Lacerda ficou muito mexido, havia até um documento sobre o quanto ganhava por mês na Companhia de Telégrafos, onde trabalhava.
 
Milton não é um herói típico desse período, como Marighella e Lamarca. Está mais para uma vítima dos desmandos da ditadura, não é verdade?
 
Isso que você perguntou é importante, porque só conhecemos a história de pessoas que se tornaram ícones de alguma forma. Das centenas de outros que participaram da resistência não se fala. Minha pretensão não é contar a história da ditadura, embora se passe na ditadura. Meu interesse foi falar de gente anônima. Era o que me ligava à história de Milton. Ele foi o único militante morto em Linhares, mas nunca mereceu uma atenção considerável até na estrutura da guerrilha de Caparaó. Era o único preso civil entre militantes ex-militares.
 
E quando resolveu que era hora de investigar o que havia ocorrido de fato?
 
Essa história começou em 2002, com uma série de matérias que fiz (para o jornal “Tribuna de Minas”) a partir da notícia de que a Comissão Estadual da Verdade anunciou que receberia requerimentos para indenizações a quem sofreu tortura. Meu chefe me disse que precisávamos de algo novo e recorri ao Nilmário (Miranda, que foi integrante da Comissão Especial do Ministério da Justiça que analisou os processos sobre os desaparecidos) para saber quantos haviam morrido em Linhares. Foi quando ele falou que houve apenas a morte de Milton e que seu corpo jamais foi localizado. Apesar de ter localizado a sepultura dele, não consegui responder tudo. Faltava a prova fundamental sobre como tinha morrido. Essa investigação resultou no livro.
 
“Cova 312” enaltece o jornalismo investigativo numa época em que esse formato está em crise...
 
Sou uma apaixonada pelo jornalismo, acredito nele como forma de transformação social. Uma marca do meu trabalho é o jornalismo investigativo, mas hoje dá para ficar chorando o risco de morte do jornal. Mas as grandes reportagens sempre terão o seu lugar, seja em qual plataforma for. A verdade é que estão mais vivas do que nunca. O bom jornalismo não irá morrer.
 
Por que quis codirigir – com Armando Mendz – o documentário baseado em “Holocausto Brasileiro”, que será exibido na HBO em 2016?
 
Não sei nada de linguagem cinematográfica, mas, modéstia à parte, dominava o conteúdo. Localizei novos entrevistados e conduzi as entrevistas. O filme envolve o que aconteceu após o lançamento do livro. Parentes de pessoas que morreram lá (no Hospital Colônia de Barbacena) nos procuraram, com relatos fortes e emocionantes.
 
Aos 40 anos, Daniela tem uma trajetória pontuada por prêmios, como o Esso e o Ypis
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