O jornalista Fernando Fiorese lança neste sábado (3), em BH, “Um Chão de Presas Fáceis: Documentário” (Escrituras), livro de pegada “roseana” – mas ambientado no asfalto.

A obra romanceia a história real de dois amigos da Zona da Mata, que em uma Kombi, percorrem a BR- 116, a “Rio-Bahia”. Era 2011. A dupla queria fazer um vídeo-documentário sobre a cultura e realidade brasileiras. Mas um acidente de trânsito, dois anos depois, mata um deles, deixando o projeto sem conclusão.

A verdade é que Fiorese, nascido em Pirapetinga – um dos municípios da rodovia – só soube da história – e foi convidado a entrar nela – anos depois. Radicado em Juiz de Fora, onde leciona na universidade federal local, recebeu três caixas com recortes, livros e roteiros, guardadas pelo sobrevivente, que, na publicação, ganha o nome de Murilo.

Hoje, o personagem é professor de história em uma cidade daquela região, mas prefere se manter anônimo. “Como sou escritor, ele me procurou, pois achou que aquilo daria para fazer um livro. Assim, faria uma homenagem à memória de Humberto”.

A missão: tentar “traduzir” o material. Nele, Murilo e “Humberto” partem na aventura dos sonhos de qualquer mochileiro. E diferentemente do diplomata Guimarães Rosa, que mergulhou nas histórias sertanejas de Minas... “Eles percorrem 1.600 quilômetros numa viagem de ida e volta entre Além Paraíba e Divisa Alegre – extremos do trecho mineiro da BR-116”, pontua Fiorese.

Apartheid social

“Eu e o Murilo, o que a gente mais queria era desaparecer atrás daquela câmera. Somos apenas mais dois personagens dessa história. Então, você inventa os nomes que quiser, mas não põe sobrenome, não. Sobrenome é coisa de gente metida a besta”, teria declarado Murilo a Fiorese.

No trecho, fica claro o drama baseado em uma espécie de “apartheid social” vivido pela dupla. E Fiorese diz que isso realmente existiu. “Humberto era pobre, trabalhava como comerciante. E Murilo é de uma família muito rica”. Eles escolheram a Rio-Bahia pois é um símbolo regional.

“A estrada virou uma rota de fuga das regiões muito precárias do Jequitinhonha e do Vale do Rio Doce para as grandes cidades”, observa. O trecho foi percorrido em um mês – a dupla dormiu na casa de pessoas que iam conhecendo ao longo do caminho. E a grana? “Iam arrumando”, esclarece o autor.

SERVIÇO

Lançamento do livro “Um Chão de Presas Fáceis” – Neste sábado, às 11h30, na Scriptum (rua Fernandes Tourinho, 99).

Trechos do livro

"Vai não, filho! Olha que a mãe morre. De desgosto, de preocupação. Aqui você é um, o Roque, filho do Toninho da Venda, filho da Maria do Toninho da Venda. Tem nome e sobrenome. Aqui você é um, filho". (Parada de ônibus, Divisa Alegre)

"A cara da gente é esta que o moço tá vendo - cara de miséria. Pode perguntar pra qualquer um aí. O que o povo mais quer nessa vida é sumir Rio-Bahia abaixo. Melhor morrer andando que viver nesse nunca". (Seu Ruão, carroceiro, cidade de Comercinho)

"Em tempo de minha avó, de minha mãe menina, era a miséria. Preto na cidade só a mando. Ou pras necessidades do sal e do açúcar. Vô Romualdo ia, ele mais um filho por vez. Pros meninos aprenderem o que não era". (Dona Maria Dó, comunidade de Cateriangongo, município de Cachoeira do Pajeú)

Da ficção para a realidade

Nesta sexta-feira (2), a reportagem do Hoje em Dia esteve na rodoviária de BH e convidou alguns passageiros para contarem histórias que viveram pela BR-116. Eles aguardavam o embarque para as cidades que ficam ao longo deste corredor multicultural que corta Minas Gerais.

Os relatos falam sobre a busca por trabalho, os sonhos de família, o retorno às origens e até sobre a celebração da fé. 

A seguir, acompanhe os depoimentos:

André Pereira Rocha, 32 anos, Fortaleza

Talita Barbosa, 30 anos, Governador Valadares

Clara Márcia, 47 anos, Rio de Janeiro

Gilma de Oliveira, 67 anos, Belo Horizonte

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