Rodrigo Huguert

Ansiedade atormenta cada vez mais adolescentes, e um dos motivos é a rede social, alerta psiquiatra

Pedro Melo
pmelo@hojeemdia.com.br
Publicado em 06/03/2023 às 07:00.
Psiquiatra Rodrigo Huguert alerta que ‘as redes sociais devem servir a gente, e não o contrário’ (Valéria Marques)

Psiquiatra Rodrigo Huguert alerta que ‘as redes sociais devem servir a gente, e não o contrário’ (Valéria Marques)

Ainda muito associada aos adultos – devido às responsabilidades e preocupações com o trabalho e a família, além das “dores de cabeça” do cotidiano –, a ansiedade não está restrita a um perfil específico e pode atingir praticamente todas as faixas etárias. Uma das maiores preocupações atuais é com os adolescentes, cada vez mais diagnosticados com transtornos psiquiátricos. O “mal” que aflige a humanidade, como identificá-lo, a interferência das redes sociais e a importância de equilibrar prazer e dever para se ter qualidade de vida são abordados nesta entrevista com o médico Rodrigo Huguert, membro do corpo clínico da rede Mater Dei e da diretoria da Associação Mineira de Psiquiatria.

O que é a ansiedade? Como identificá-la e de que forma ela age?
A ansiedade em si não é um problema. É um sintoma normal e um sinal que o cérebro nos dá de que podemos estar correndo perigo. É uma forma de nos alertar sobre algo. Por exemplo: quando um aluno tem uma prova, ele fica ansioso e o cérebro passa a liberar adrenalina. Isso gera um desconforto, fazendo com que o aluno se dedique ainda mais aos estudos. Já na hora da prova, a ansiedade tem a função de deixar em estado de alerta, mais esperto para fazer o teste com mais atenção. O problema é quando surge a ansiedade excessiva, quando a pessoa a manifesta de forma contínua, por pelo menos umas duas semanas. Esse é o tipo de ansiedade que inibe a realização de diversas atividades ou funções, como sair de casa ou trabalhar, além de causar problemas físicos ou mentais.

Não necessariamente quem trabalha muito vai ter Burnout. A síndrome, na verdade, está relacionada a quem está sobrecarregado no trabalho, mas tem um emprego pouco gratificante ou um ambiente onde não se sente representado

Existe mais de um tipo de ansiedade? Todas têm a mesma origem e efeitos?

Existem vários transtornos causados por ansiedade excessiva. O mais conhecido é o transtorno de ansiedade generalizado, que é aquele em que a pessoa está sempre muito preocupada com desempenho, o futuro, com tudo mesmo. Exemplo disso é aquela mãe que fica o tempo todo preocupada com os filhos, se vai acontecer alguma coisa com eles, fica preocupada com a viagem de um, com o casamento do outro. Situações que não cabem totalmente a ela, mas acabam interferindo na ansiedade. Outro exemplo são as “crises de pânico”, que são crises de ansiedade agudas, intensas, em que a pessoa fica com o coração acelerado, sente falta de ar, fica tremendo e até com a pupila dilatada. Durante as crises, a pessoa fica achando que vai morrer, o que gera ainda mais ansiedade, virando uma bola de neve. Há também a “fobia social”, quando tem-se dificuldade para falar em público. E o transtorno de “estresse pós-traumático”, aquele em que a vítima de um assalto, por exemplo, fica com medo de sair de casa, causando ansiedade e medo.

Vivemos em uma sociedade muito acelerada e com as pessoas cada vez mais distantes entre si. Como nos adequar a essa rotina e não cair em um quadro de ansiedade? 
Existem várias formas de para se viver com menos estresse e mais qualidade. Ouvir música, praticar atividade física, ioga... Outra coisa importante é não abusar de álcool ou drogas. Muitas vezes a pessoa tem um transtorno psiquiátrico, como ansiedade, começa a beber em excesso na tentativa de se “automedicar”, pois a bebida no primeiro momento pode ser um calmante, e isso acaba piorando a situação.

Existe um perfil da pessoa que recebe o diagnóstico de ansiedade?
Cada pessoa tem uma vulnerabilidade individual, que tem a ver até com a genética, fator psicológico ou com a criação. Então, as pessoas têm mais ou menos predisposição para um transtorno de ansiedade, que vai depender das condições de estresse que ela está vivenciando. Atualmente, não há muito como taxar o perfil de uma pessoa com a ansiedade. Pode acontecer com qualquer um.

Como os pais podem identificar os sintomas de ansiedade em crianças ou adolescentes?
Na criança é até menos comum. Já no adolescente, é recomendado que os pais tenham sempre um canal de diálogo aberto e franco com os filhos, estejam sempre conversando, com eles sempre relatando o que está acontecendo. Se observarem que o comportamento do adolescente está mudando, que está indo mal na escola, ficando muito tempo fechado no quarto ou comendo menos... É importante estar atento a esses sinais porque muitas das vezes o adolescente não expressa os sintomas de forma tão clara, ele apenas manifesta essas mudanças de comportamento. Na dúvida, é importante levar o filho para a avaliação de um especialista, como um psiquiatra ou psicólogo habilitado.

Ansiedade tem a ver com genética, sim. Mas também tem a ver com a psicologia, com a forma como a pessoa lida com determinadas situações, a forma como encara a vida, a criação que teve. É multifatorial

Quando é recomendado que o tratamento seja feito com medicamentos ou terapia?
Os casos mais leves a moderados, em geral, podem ser tratados com terapia, desde que ela seja mais focada no transtorno específico. Nos moderados a grave, principalmente quando há risco de suicídio, é recomendada medicação, como antidepressivos. Existe também a possibilidade de tratamento com ambos: terapia e medicamentos. A decisão de utilizar apenas terapia, apenas remédio ou mesclar os dois depende dos problemas que o paciente apresenta, da disponibilidade para o tratamento e da preferência da pessoa.

Neste mundo cada vez mais conectado, estamos cercados de avaliações, curtidas e críticas. Podemos falar que as redes sociais são um gatilho para a ansiedade?
As redes sociais não são boas nem ruins, elas são apenas ferramentas que podem ser bem ou mal usadas. Se forem mal usadas, realmente podem ser um fator que vai causar sintomas ansiosos. Aquela preocupação em ser excluído, de falarem mal, de ser julgado por outros usuários. Questões estéticas também podem ser gatilhos que causem um transtorno alimentar. Então, o importante é que se faça o uso sensato da ferramenta. Se vir que está causando problemas, é recomendado que restrinja o uso. Também é importante que os pais fiscalizem o uso das redes sociais, assim como eles fiscalizam o convívio presencial e as relações que os filhos têm. Eu digo que as redes sociais devem ser sempre uma ferramenta que a gente usa e não o contrário, que usem a gente.

Trabalhadores e estudantes estão cada vez mais sobrecarregados e com grandes demandas, sendo frequente a síndrome de Burnout entre eles. Há alguma relação com a ansiedade?
A ansiedade pode ser um sintoma da síndrome de Burnout. A gente tem que procurar ter um equilíbrio entre o dever e o lazer. Mas não necessariamente quem trabalha muito vai ter Burnout. A síndrome, na verdade, está relacionada a quem está sobrecarregado no trabalho, mas que tem um emprego pouco gratificante, em que ele se sente meio que “enxugando gelo”, e um ambiente de trabalho em que não se sente representado. Então a ansiedade pode, sim, estar relacionada e ser um sintoma de Burnout.

A ansiedade pode ser hereditária ou está mais ligada a situações em que a pessoa vivencia?
É multifatorial. Tem a ver com genética, neste caso é hereditária, sim. Em casos de pessoas com famílias que apresentam mais transtornos de ansiedade, você tem mais chances de ter também. Mas também tem a ver com a psicologia, com a forma como a pessoa lida com determinadas situações, a forma como encara a vida, a criação que teve. Então são diversos os fatores que podem levar a um transtorno psiquiátrico, entre eles a genética.

O importante é não ter preconceito. Temos que encarar os problemas psiquiátricos da mesma forma como tratamos um problema do coração, por exemplo, buscando a ajuda de um médico da área

Quando pedir ajuda para um especialista? 
Se é uma emoção que está durando muito tempo, passam-se uma, duas semanas ou mais e a pessoa continua ansiosa na maior parte do tempo. Se está causando muito sofrimento ou sintomas físicos, ou se está interferindo no rendimento dela, seja no trabalho ou na escola e estudos. Outro fator a se observar é se a pessoa está deixando de sair, ver os amigos ou trabalhar. O importante é não ter preconceito. Temos que encarar os problemas psiquiátricos da mesma forma como tratamos um problema do coração, por exemplo, buscando a ajuda de um médico da área.

Qual dica o senhor dá para pessoas que tenham o diagnóstico de algum transtorno ou alguém que ainda não tenha procurado ajuda?
Procure tratamento adequado. Ajuda de um psicólogo, psiquiatra ou de uma terapia cognitivo comportamental. Também é importante evitar uso de drogas e álcool, o que tende a perpetuar o problema. O equilíbrio no nível de estresse e de lazer também é importante. Temos que ter equilíbrio na vida entre o dever e o lazer.

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