ENTREVISTA

'Apesar de alguns movimentos contrários, as empresas têm, sim, avançado em equidade de gênero'

Igualdade passa por transformação cultural profunda que ainda está em andamento, diz Dayse Guelman, vice-presidente de Finanças da Latam AngloGold Ashanti

Do HOJE EM DIA
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Publicado em 10/03/2025 às 08:00.
Dayse Guelman, diretora financeira da Associação Brasileira de Recursos Humanos de Minas Gerais (ABRH/MG) e vice-presidente de Finanças da Latam AngloGold Ashanti (arquivo pessoal)
Dayse Guelman, diretora financeira da Associação Brasileira de Recursos Humanos de Minas Gerais (ABRH/MG) e vice-presidente de Finanças da Latam AngloGold Ashanti (arquivo pessoal)

Vice-Presidente de Finanças e Suprimentos da AngloGold Ashanti e diretora Financeira da Associação Brasileira de Recursos Humanos de Minas Gerais (ABRH/MG), a economista Dayse Guelman coleciona histórias sobre os desafios que as mulheres enfrentam no mundo corporativo. Um dos maiores, segundo ela, foi ser levada a sério em um ambiente onde geralmente as decisões eram dominadas por homens com maior tempo de casa ou experiência no setor, além de uma estrutura muito tradicional e hierárquica.

“Precisei provar minha competência e conhecimento de maneira constante. Isso exigiu que eu fosse não apenas tecnicamente preparada, mas também extremamente estratégica na forma como comunicava minhas ideias e tomava decisões”, diz Guelman. Entre experiências que descreve como “incríveis” na Samarco, Vale, Arcelor Mittal Inox, RHI Magnesita, Atlantic Nickel, Mineração Serra Verde, Largo Vanádio de Maracás, ela hoje ocupa o cargo de VP de Finanças e Suprimentos da América Latina na Anglo Gold Ashanti, função que acumula com a diretoria da ABRH/MG.

“Não foi fácil, mas ao longo dos anos foi produtivo passar por esses desafios, pois eles me ensinaram a importância de ser resiliente, de manter o foco nas metas e de nunca deixar de defender minha visão. Desafios que também me ajudaram a desenvolver uma liderança inclusiva, colaborativa e, acima de tudo, orientada para resultados, que considero a base para qualquer negócio”, diz a executiva, que neste entrevista fala também sobre a presença  das mulheres em ambientes de negócios. 

Você acredita que as empresas e o mercado estão realmente avançando na equidade de gênero? O que ainda precisa mudar?

Apesar de alguns movimentos contrários vistos recentemente por algumas figuras políticas, que reforçam narrativas retrógradas e políticas que desvalorizam a igualdade de gênero, empresas e mercado têm, sem dúvida, avançado em termos de equidade de gênero. 

Especialmente nos últimos anos, muitas empresas adotaram políticas de diversidade e inclusão como parte de suas estratégias de longo prazo. Isso tem se refletido em um maior número de mulheres em cargos de liderança, iniciativas de mentoria e programas de capacitação.

Além disso, o aumento da transparência salarial e as políticas de combate ao assédio sexual e discriminação de gênero têm sido passos importantes para promover ambientes de trabalho mais justos e inclusivos. Muitas organizações estão reconhecendo que a diversidade de gênero traz benefícios significativos para a inovação, a tomada de decisões e a competitividade, o que está acelerando a implementação dessas práticas. 

Quais os desafios?

Ainda há muito a ser feito. A equidade de gênero não se resume apenas à contratação de mulheres ou à implementação de programas pontuais, mas envolve uma transformação cultural profunda, que ainda está em andamento. A liderança feminina em algumas empresas ainda enfrenta resistência, e o gap salarial entre homens e mulheres persiste em muitas indústrias. Para mim, é necessário avançar na desconstrução de normas de gênero que limitam as mulheres a determinados papéis dentro das organizações. 

Também é crucial promover uma verdadeira flexibilização no ambiente de trabalho, permitindo que as mulheres, especialmente as mães, possam equilibrar a vida pessoal e profissional de maneira mais eficaz, sem prejuízo de sua carreira. A mudança só será completa quando houver uma reestruturação do conceito de liderança, onde o sucesso de uma mulher não seja visto como exceção e onde o valor das pessoas seja mensurado unicamente por suas competências e resultados, não por seu gênero.

Você já  enfrentou resistência por ser mulher em uma posição de comando? Como lidou com isso e que conselhos daria para outras mulheres que vivem situações semelhantes?

Por ser uma mulher em posição de comando, enfrentei resistência de todos os tipos, formas e intensidades. Até hoje nossa autoridade e competência são questionadas a toda prova e a todo instante. Muita desconfiança nas nossas decisões, tentativas de minar nossa liderança, pressão para equilibrar a nossa assertividade com a nossa empatia. 

Homens podem ser vistos como firmes, mas uma mulher em comando pode ser rotulada como “excessivamente dura” ou “emocional”. Essas resistências muitas vezes exigem uma capacidade de lidar com o preconceito e, ao mesmo tempo, ser capaz de nos mantermos firmes nas nossas convicções.

O que sempre fiz e aconselho a todas as mulheres, que enfrentam situações semelhantes a todo momento, é que, primeiro, se mantenham fiéis à sua essência. E que não deem a ninguém o poder de influenciar nas suas decisões e consequentemente nas suas vidas. É muito poder para dar para alguém! 

O poder de fazer e de ser é individual, pertence a cada uma de nós! E neste sentido a autoconfiança é essencial, pois embora a resistência seja uma realidade, também é uma oportunidade para demonstrar liderança com competência e resultados. 

Algo mais?

Construir uma rede de apoio pode ajudar a fortalecer a resiliência, pois ter um espaço para compartilhar experiências é muito bom. E, por fim, é importante sempre agir com integridade, pois o respeito é conquistado por meio de uma liderança transparente e justa. Mulheres em posições de comando devem se lembrar de que, ao romper essas barreiras, não estão apenas abrindo caminho para si mesmas, mas também para outras mulheres que virão depois.

Quais foram os principais desafios que você enfrentou ao assumir um cargo de liderança em um setor predominantemente masculino? Como os superou?

Inicialmente, um dos maiores desafios foi o de ser levada a sério, em um ambiente onde geralmente as decisões eram dominadas por homens com maior tempo de casa ou experiência no setor, além de uma estrutura muito tradicional e hierárquica. Precisei provar minha competência e conhecimento de maneira constante. Isso exigiu que eu fosse não apenas tecnicamente preparada, mas também extremamente estratégica na forma como comunicava minhas ideias e tomava decisões.

Em reuniões, percebia que muitas vezes minha voz não era ouvida da mesma forma que outras vozes masculinas.  Para superar isso, passei a investir mais em desenvolvimento de comunicação assertiva e a construção de alianças estratégicas. Aprendi que, ao demonstrar resultados concretos e agregar valor em cada oportunidade, era possível reverter essa dinâmica e ganhar respeito e confiança.

Na sua experiência, como a presença feminina na liderança transforma a cultura organizacional e os resultados da empresa?

A presença feminina na liderança cria um ambiente de trabalho mais equilibrado, inclusivo e inovador, o que, por sua vez, leva a decisões mais bem fundamentadas e mais criativas, com impacto direto no resultado.

Nós, mulheres, temos a tendência a promover uma liderança mais colaborativa e empática, valorizamos a escuta ativa, a comunicação aberta e o desenvolvimento de equipes de forma mais holística. Ajudamos a criar uma cultura mais inclusiva, onde todos se sentem ouvidos e respeitados, aumentando o engajamento e a retenção de talentos.

Trazemos um olhar diferente para a resolução de problemas e a gestão de riscos, com maior probabilidade de identificar novas oportunidades de negócio, melhorar a eficiência operacional e nos adaptamos mais rapidamente às mudanças do mercado.

A combinação destas características faz com que os resultados financeiros e margens possam ser diretamente impactados, pois equipes colaborativas e unidas tendem a apresentar resultados financeiros significativamente melhores.

Você acredita que há diferenças no estilo de liderança entre homens e mulheres? Se sim, quais características femininas fazem a diferença na gestão?

Sim, acredito que há diferenças no estilo de liderança, embora seja importante frisar que essas diferenças não são absolutas e que variam de indivíduo para indivíduo. Nós, mulheres, temos uma maior tendência de utilizarmos a empatia e a capacidade de construir consenso. E estas características fazem uma grande diferença na gestão. 

A empatia permite que as líderes compreendam as necessidades e perspectivas de seus colaboradores, criando um ambiente de trabalho mais positivo e produtivo. A capacidade de construir consenso facilita a tomada de decisões e o trabalho em equipe, resultando em melhores resultados para a organização. 

Pela nossa característica de adotar uma forma de trabalho mais colaborativa, temos a tendência de ser mais eficazes na construção de relações de confiança. O resultado é uma cultura organizacional mais inclusiva e cooperativa, onde as ideias fluem mais livremente, há maior disposição para inovação e para a gestão de mudanças, pois as equipes se sentem parte do processo de transformação. Outro grande diferencial é a nossa resiliência, uma característica especialmente importante em ambientes de alta pressão. 

Conciliar uma posição de alta gestão com a vida pessoal ainda é um desafio para muitas mulheres. Como você gerencia essa questão?

É um desafio diário, mas também uma oportunidade de desenvolver uma gestão de tempo e prioridades. Não é nada fácil! A chave para esse equilíbrio está na organização e na capacidade de delegar. No meu caso, busco sempre ser muito clara quanto às minhas responsabilidades tanto no trabalho quanto em casa, estabelecendo limites bem definidos para que eu possa ser produtiva em ambas as esferas. 

Isso inclui otimizar meus horários, tanto no trabalho quanto em casa, e contar com o apoio de uma rede de colaboradores e de familiares, para garantir que eu possa estar presente quando meu filho precisa de mim, sem comprometer o desempenho da minha função executiva.

Estou presente de corpo e alma onde quer que eu esteja. Se estou no trabalho, minha mente também está! Se estou em casa, é lá que minha mente descansa.

Além disso, acredito que a flexibilidade e o autocuidado são essenciais para esse equilíbrio. Sendo mãe, aprendi a ser mais consciente dos meus limites e a me permitir desacelerar quando necessário, sem sentir culpa. A gestão do estresse é um componente crucial desse processo, pois não é possível dar o melhor de si no trabalho ou para a família se não cuidarmos de nossa saúde mental e física. Tento sempre incorporar atividades de autocuidado à minha rotina, como exercícios regulares e momentos de lazer com minha família, para recarregar as energias. 

No final, acredito que a chave para essa conciliação está em ser intencional e realista, reconhecendo que, em certos momentos, um lado pode exigir mais atenção do que o outro, e isso é completamente normal. A adaptação contínua é o segredo para manter uma vida equilibrada e bem-sucedida tanto no âmbito profissional quanto pessoal.

Que conselho você daria para as mulheres que sonham em chegar a cargos de liderança em setores dominados por homens?

Cultivem uma bússola interna inabalável. Não permitam que as opiniões alheias desviem vocês de seus objetivos.

A verdadeira força reside na capacidade de tomar decisões autênticas, baseadas em seus próprios valores e convicções. Ao ceder o poder de decisão a terceiros, vocês se privam da autonomia necessária para trilhar o caminho desejado.

Lembrem-se de que o poder de moldar seu destino reside exclusivamente em suas mãos. Confiem em sua intuição, desenvolvam suas habilidades e não hesitem em reivindicar seu espaço. A liderança autêntica floresce da confiança em si mesma e da determinação em seguir seus próprios princípios, independentemente dos obstáculos que possam surgir.

Eu passei por muitos desafios durante a minha jornada e ainda não é fácil permanecer onde estou. Mas nunca deleguei a ninguém a decisão de persistir ou não, seja lá qual fosse a dificuldade ou as consequências do caminho escolhido. Cheguei aonde estou porque escolhi estar aqui, foi exatamente aqui que eu desejei estar é aqui que me sinto orgulhosa de estar.

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