'É preciso ser mais rápido e eficaz', diz promotor de Mariana

Renato Fonseca - Hoje em Dia
Publicado em 07/12/2015 às 06:58.Atualizado em 02/02/2022 às 18:39.
 (Wesley Rodrigues)
(Wesley Rodrigues)

Natural de Ouro Preto, na região Central de Minas, Guilherme de Sá Meneghin tem apenas 32 anos, mas já foi oficial judiciário, trabalhou em escritórios de advocacia e atuou como delegado da Polícia Civil. Em 2011, se tornou promotor de Justiça e, hoje, enfrenta o maior desafio da carreira. À frente do Ministério Público (MP) da comarca de Mariana, ele está na linha de frente para garantir os direitos das famílias atingidas pelo rompimento de uma barragem na cidade. Para o promotor, a responsabilidade da mineradora Samarco jamais poderá ser eximida, e as medidas de assistência precisam ser mais rápidas e eficazes.

O rompimento da barragem foi um acidente?
Não. Com certeza a responsabilidade é da Samarco. Houve alguma falha na operação dessa barragem que, certamente, vai ser apurada pela Polícia Civil e pelo Ministério Publico. A responsabilidade da empresa é objetiva, ou seja, não importa se ela tem culpa ou não, a mineradora terá que pagar por todos os danos humanitários causados.

Muito se fala sobre as causas da tragédia. O senhor mesmo reforçou que elas estão sendo investigadas. Qualquer que seja a causa pode-se eximir a responsabilidade da Samarco?
No que tange a garantia dos direitos das vítimas, as causas do evento não vão impedir a responsabilização humanitária. A partir do momento que ela (mineradora) assume a atividade de risco, tudo que decorre dessa atividade deverá ser respondido.

Existe uma responsabilidade na esfera criminal também? Profissionais da empresa podem ser presos?
É possível que ao fim da investigação se identifique a responsabilidade criminal. A Polícia Civil e a Promotoria de Meio Ambiente vão analisar.

E qual é a responsabilidade da Prefeitura de Mariana?
Como a prefeitura não era dona do empreendimento, ela não tem responsabilidade sobre os fatos, bem como também não tinha atribuição para fiscalizar a obra. Ela tem que dar um apoio a essas pessoas. A responsabilidade é amparar as vítimas e tentar, junto à empresa, promover a recuperação ambiental.

Passado um mês da tragédia, até que ponto a empresa assumiu as responsabilidades necessárias?
Não assumiu muita responsabilidade ainda. Ela está fazendo algumas coisas para as pessoas atingidas, mas de uma forma um pouco lenta, que é o pagamento desse auxílio mensal e o aluguel das moradias. Basicamente, colocou algumas famílias em casas provisórias e hotéis. Porém, é pouco, muito pouco. Esperamos que a partir de agora seja mais efetiva.

O senhor citou essa questão da lentidão. Fica a impressão de que as vítimas estão desamparadas. Vai demorar muito ainda?
Realmente há uma lentidão. Você tem que pegar a pessoa, levá-la junto com a família até a casa provisória, ver se ela vai gostar ou não. Só que isso não é desculpa. É preciso adotar medidas mais eficazes e rápidas. Fui bem claro com o presidente da Samarco a respeito disso.

Qual tem sido o papel do MP nesse processo?
Temos, basicamente, duas frentes. Nessa primeira fase, os direitos emergenciais. Recomendamos à Samarco colocar essas pessoas em hotéis e depois em moradias alugadas e mobiliadas. Nesse momento também há o pagamento de uma remuneração mensal. A segunda fase é justamente a definitiva. As pessoas não podem viver eternamente em casas alugadas e recebendo esse auxílio. É preciso indenizar as vítimas pelos danos materiais e morais. A ideia é a de que isso seja feito em um momento mais tranquilo, no qual as famílias estejam mais confortáveis, para que elas possam negociar a reconstrução dessa comunidade. Essa segunda etapa é mais demorada. Mas, reforço, mesmo na primeira fase, de assistência, algumas providências têm sido tomadas de forma muito lenta.

Guilherme Meneghin
"Diariamente, recebemos uma média de 15 a 20 pessoas no MP de Mariana. Oficialmente, 30 foram ouvidas. E todas disseram que não foi dado nenhum aviso, que não houve qualquer comunicação sobre o rompimento.

O que precisa ser feito?
Temos 50 famílias em casas alugadas. Tem muita gente em hotel ainda. Eles (Samarco) ainda precisam se esforçar mais.

É possível, então, afirmar que as famílias estão desamparadas?
Sim. Cada dia que elas ficam nos hotéis é uma violação dos direitos humanos. Entendo que há uma violação diária. Se pegarmos o artigo sexto da Constituição, que estabelece os chamados direitos sociais, lá constará o direito à moradia. Você vai ter o direito ao lazer, e essas famílias não estão tendo isso também. Existem pessoas que nunca pisaram em um hotel. Para elas, é muito difícil aceitar ficar em um espaço menor e de forma desajeitada.

Pensando no futuro, em ressarcimento, como calcular o prejuízo de cada família? Como se chega a um valor justo?
Temos no Brasil algumas experiências razoavelmente hesitosas de, por exemplo, conflitos envolvendo acidentes aéreos, em que você tem uma câmara de negociação que faz uma análise individual, bem profissional e se chega a um valor. E a pessoa não é obrigada a aceitar. O que acreditamos é que, como a maioria dessas pessoas é muito humilde, elas não mentirão a respeito dos seus bens.

E os trabalhadores da Samarco? Quais os direitos tantos dos funcionários diretos quanto indiretos?
O Ministério Público do Trabalho tem atuado para garantir a estabilidade dessas pessoas por até um ano.

E a família de um trabalhador que morreu nessa tragédia?
Tem direito à indenização igualmente às demais. A ideia é a de que entrem no processo coletivo. Mas isso vai depender da vontade de cada uma.

Especialistas afirmam que a tragédia deixou claro que o modelo atual da mineração precisa ser repensado. Qual o papel do MP nessa questão?
O que podemos fazer é tentar, junto ao Congresso Nacional, uma alteração da legislação. A melhor solução seria uma lei obrigando as empresas a não colocar os rejeitos em barragens, que um dia podem estourar. Não tem como segurar isso. Mas, é claro, se houver uma lei nesse sentido haverá perda de lucro das mineradoras. Será que o Congresso terá peito para diminuir esse lucro? Será que a presidente da República terá essa vontade?

Existem outras mineradoras na cidade e ainda se fala de um possível risco em uma terceira barragem da Samarco. Que medida imediata para reforçar a segurança foi tomada?
Tem uma ação, movida pelo Ministério Público, pedindo a abertura das comportas da represa de Candonga. Se houver um eventual rompimento da barragem, ela seria capaz de conter a lama.

O senhor teve, na semana passada, o primeiro contato com o presidente da Samarco. Como foi esse encontro?
Ele prestou um depoimento muito tranquilo. Não quero defendê-lo, mas me pareceu um profissional sério. Teve toda a boa vontade de vir aqui prestar o depoimento. Porém, foi na presidência dele que ocorreu esse fato gravíssimo.

Até que ponto o MP vai se não houver acordo com a mineradora?
Apresentamos um Termo de Ajustamento de Conduta com garantias dos direitos emergenciais e definitivos às vítimas. Se a Samarco não assinar, será ajuizada uma ação contra a empresa. Acredito que também não haverá alternativa que não seja ajuizar ações contra a Vale e a BHP, porque sempre há um risco das pessoas perderem os seus direitos. No Brasil, muitas tragédias já ocorreram e, muitas vezes, as vítimas não receberam as indenizações.

Como evitar esse risco?
Bloqueando o dinheiro das empresas. Se daqui a dez anos elas falirem, o montante estará lá. Na pior das hipóteses, aquele valor será dividido entre as vítimas.

Como está a negociação com os familiares?
Estamos sempre em negociações coletivas. Todos esses direitos que falei estão sendo negociados com os representantes dos atingidos e com a Samarco. A empresa tem dados as respostas, repito, de forma lenta, mas tem dado. A ideia é a de que não se precise de uma ação coletiva.

Qual a orientação dada a essas pessoas?
Elas precisam entender que o momento agora, ainda, não é de se discutir indenizações nem reassentamento, mas de se discutir direitos emergenciais. Colocar as famílias em casas, dar remuneração, dar tranquilidade. E, no segundo momento, com elas mais tranquilas, começar um debate. Já pensou se alguém pega uma pessoa que está no hotel e propõe um acordo, oferecendo, por exemplo, R$ 50 mil em troca da perda do restante dos direitos? Ela vai aceitar. Vai assinar achando que está fazendo um grande negócio, mas depois será lesada. Várias pessoas assinaram procurações para advogados. Elas não estavam em condições de pensar no que estavam fazendo. Esse momento será apenas no ano que vem.

Já foram apresentadas áreas para a reconstrução?
Não. A Samarco está fazendo pesquisas e evitando divulgar para que não ocorra especulação imobiliária.

Chegou a ser cogitada a possibilidade de inserir essas pessoas no projeto “Minha Casa, Minha Vida”, com os custos pagos pela Samarco. Como o senhor avalia isso?
É a pior coisa que pode acontecer. Essas pessoas moravam em sítios, casas com varanda, com terreiros. Acho um absurdo. Queremos que seja o mais parecido possível com Bento Rodrigues. Essa história de Minha Casa, Minha Vida não contempla os direitos delas. E mais: se for assim, será muito mais lucrativo para a Samarco, será barato. A Samarco tem que reconstruir a comunidade semelhante ao que era.

“Diariamente, recebemos uma média de 15 a 20 pessoas no Ministério Público de Mariana. Oficialmente, 30 foram ouvidas. E todas disseram que não foi dado nenhum aviso, que não houve qualquer comunicação sobre o rompimento”

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