Violência nas escolas

‘Não é colocar detector de metal que vai trazer mais segurança’, diz educadora, que defende escuta

Raíssa Oliveira
raoliveira@hojeemdia.com.br
17/04/2023 às 08:06.
Atualizado em 17/04/2023 às 08:09
 (Valéria Marques)

(Valéria Marques)

Ataques a escolas, ameaças de novos massacres e disseminação de falsos atos violentos amedrontam pais, alunos e profissionais da educação em Minas. O terror espalhado pelo Estado obrigou as autoridades a reforçar a segurança. Até intervenções armadas nas instituições de ensino chegaram a ser avaliadas. No entanto, a solução para a onda de violência pode estar ligada ao acolhimento e escuta das crianças e adolescentes.

A avaliação é da vice-presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Estado de Minas Gerais (Sinepe-MG), Cristiane Boaventura. Ela garante que as instituições privadas têm feito “sua parte”, com investimento em sistemas de segurança e controle de acessos para trazer tranquilidade à comunidade acadêmica, e faz questão de descartar a implementação de segurança armada.

Na avaliação de Boaventura, o crescimento de atos violentos nas escolas pode estar diretamente ligado às relações familiares. Para ela, há um cenário de afastamento de pais e omissão no monitoramento de acessos às redes sociais, sites e jogos utilizados por crianças e adolescentes. Realidade que pode contribuir para uma falha na percepção de comportamentos suspeitos.

A vice-presidente do Sinepe ainda ressalta o clima nas escolas diante das ameaças recentes de massacres. Em atuação na área da educação há 24 anos e atual diretora de uma escola na Grande BH, Cristiane Boaventura dá ainda dicas para que pais e responsáveis possam orientar os filhos quanto aos casos de violência.

Como o sindicato vê esses recentes casos de violência e ameaças de ataques nas escolas?
O Sinepe sempre trabalhou com orientações nas escolas buscando soluções propositivas. Diante dessa situação, instauramos um comitê focado para soluções. Além disso, temos o nosso canal de comunicação e estamos trabalhando em reuniões com as autoridades, pensando em estratégias que possam mitigar ou minimizar essas situações. Nesse momento precisamos tranquilizar as famílias e os educadores. A escola está em funcionamento, mas precisamos rever os procedimentos de segurança.

Qual retorno dado pelas escolas? Como está o clima entre professores e alunos?
Temos recebido várias indagações, se vão continuar as aulas e se tem um processo de segurança. Quando a instituição utiliza com transparência quais são as medidas de segurança, isso tem dado tranquilidade às famílias e aos alunos. O caminho é o do diálogo e de uma rede de proteção e comunicação também com os educadores para que possamos mapear alunos com situação que precise de apoio. Queremos tratar de uma forma preventiva e isso tem que ser trabalhado pela escola, família e o Estado. Todos imbuídos em uma cultura da paz. Pedimos às escolas que revisem os protocolos, restrinjam o acesso e, em caso de emergência, acionem o 190. Em uma das reuniões na Secretaria de Educação, colocamos como meta um canal de comunicação direta. Se perceber algum aluno que exija uma atenção especial, que possamos comunicar direto para a polícia.

Como vai funcionar esse canal direto?
Serão definidos por instâncias. Se for emergência, ligar no 190. Se é processo de observação, temos um canal por e-mail para mandar diretamente para as superintendências das instituições. Em Minas, são 47 superintendências que atendem todas as redes de ensino. Se for situação de nível médio, temos a patrulha escolar que pode orientar se for algo a médio prazo.

As escolas têm investido em ações de segurança? O sindicato é a favor de seguranças armados nas escolas, por exemplo?
Essas questões de infraestrutura cabem à gestão de cada instituição. Mas nós acreditamos que não é trazendo segurança armada para a porta da escola e colocar detector de metal que vai trazer mais segurança. Temos estudos científicos mostrando que quando trabalhamos nessa linha geramos mais insegurança e acabamos despertando situações que aumentam o índice de violência no entorno da comunidade. Nossa orientação é trabalhar em parceria com a família. Orientamos que a instituição tenha ciência dos dados científicos e das legislações que temos. Antes de qualquer tomada de decisão verifique a legislação. A escola não é shopping, aeroporto ou banco, temos uma legislação específica.

O sindicato incentiva as escolas a ter maior controle de entrada de pais e responsáveis, com o uso de biometria?
A orientação agora é ao “acesso restrito” nas escolas. A forma que vão fazer é de acordo com a identidade de cada instituição. Tem umas que pedem documento de identificação, outras com têm carteirinha e as que usam o recurso tecnológico. Fazemos um chamamento para que as famílias participem ativamente do que tem acontecido na vida do jovem e criança. Ajudem na hora de montar as mochilas, monitorem redes sociais e, antes de compartilhar alguma informação, certifiquem se ela é verdadeira. Precisamos passar segurança para os alunos e não desesperá-los. Todos cuidando de todos pela cultura da paz.

Esse clima de tensão pode atrapalhar o aprendizado dos alunos?
Isso gera um desconforto e insegurança em toda a população. Como as crianças se espelham muito nos adultos, elas ficam ansiosas. Já temos no nosso currículo essas questões emocionais muito atentas, temos metodologias de ensino e abordagens específicas para esses momentos. Temos pedido às famílias para terem cuidado com a comunicação para não desencadearem outras situações. Estamos saindo de uma situação de alerta, que foi a pandemia, e agora uma nova. Precisamos ter cuidado porque os menores não têm como fazer um filtro do que é e não é permitido.

Como vocês observam o papel das redes sociais nesse movimento? Há controle do acesso a mídias sociais dentro das salas?
Esse papel de orientação as escolas sempre fazem, mas nem sempre as famílias observam a questão da faixa etária permitida nas redes sociais. A maioria das vezes as famílias não monitoram o uso dos dispositivos. Elas entram em sites não permitidos e desencadeiam situações com as quais não estão preparadas para lidar. Por isso, acompanhe e monitore, não deixe o filho em uso constante da tecnologia. No âmbito escolar, a tecnologia é uma grande aliada, mas não podemos ser reféns. Na sala de aula ela é usado quando autorizado. Pedimos às famílias que não mandem o que não está na lista de material, mas o que entra primeiro é o celular. Isso é uma questão de parceria com as famílias. Mas para a maioria dos jovens o celular é uma extensão do corpo e a gente não pode recolher, então tentamos conscientizar.

Como o sindicato tem tratado a questão do bullying? A prevenção feita hoje no Brasil é realmente eficaz? Ou é feita apenas para “constar”?
É uma temática que as escolas já trabalham diariamente. Nós sempre trazemos profissionais da área da saúde para mostrar as práticas para o trabalho com os alunos. Temos momentos pré-agendados para trabalhar com as turmas. Em casos extremos acionamos famílias e órgãos competentes. O que percebemos é que as escolas estão revisando o currículo e pensando que o ser humano não pode ser visto apenas no lado cognitivo, e sim no social e emocional. Hoje o currículo da escola contempla o desenvolvimento dessas áreas também.

Qual a responsabilidade da escola no caso de um ataque nas dependências?
Toda vez que acontece isso, quem direciona a responsabilização são os órgãos competentes que investigam. Nós, enquanto Sinepe, não podemos dizer isso. Podemos orientar no sentido de prevenção. Segurança não é só da escola, e sim de cada um de nós. Ela começa dentro de nossas casas. Quem está cometendo isso são pessoas que têm questões familiar e social. Nesse sentido não podemos responsabilizar o professor. O aluno fica numa carga reduzida na escola, e as outras horas? Onde eles estão?

Nos ataques ocorridos no Brasil foi identificado um perfil de agressor. A maioria era aluno ou ex-aluno da escola. Há “sinais” que os educadores e colegas possam observar? Quais são esses sinais?
Cada aluno tem sua particularidade. No dia a dia acabamos conhecendo eles. Então, o professor tem essa facilidade de identificar alterações comportamentais. Mas eles não são profissionais da saúde e técnicos para isso. Temos orientações e diretrizes, mas precisamos de ajuda de profissionais da saúde. Nós temos instituições que contratam psicólogos para orientar. Hoje não há uma normativa com relação a ter um psicólogo.

Nessa cruzada pela paz, como os pais podem identificar que os filhos podem agredir alguém ou até fazer algo mais grave, como um ataque?
Primeiro lugar, esteja próximo do seu filho. Temos percebido um distanciamento muito grande, uma dificuldade de dialogar. Eles interagem mais pelo celular. Monitore as amizades, o que ele está acessando, verifique se os jogos são para a faixa etária e se condiz com a filosofia que a família acredita. Nosso apelo é que estejam nesse monitoramento o tempo todo. Não é um monitoramento de punição e sim de orientação e prevenção porque às vezes o jovem entra por curiosidade porque não teve orientação. Acompanhe e monitore.

Nesse caso, como agir para impedir uma tragédia?
Percebeu que o filho está com mudança comportamental, está triste, com uma situação de automu-tilação, pensamentos negativos ou de auto extermínio, procure a escola primeiro porque ela já sabe quais os filtros utilizar e quem acionar. Assim podemos direcionar. É uma rede de apoio. A responsabilidade é da família, da escola e do Estado.

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