Entrevista

‘Salve vidas! Comece pela sua. Ame, acredite e doe’, afirma psicóloga Ailla Pacheco

Neurocientista mineira “renasce” após transplante de fígado na pandemia

Do HOJE EM DIA
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Publicado em 03/02/2025 às 13:26.Atualizado em 03/02/2025 às 13:50.
"Quando escolhemos doar, não estamos apenas prolongando vidas; estamos multiplicando amor e renovando a esperança de quem precisa recomeçar", ressalta Ailla (Arquivo pessoal)
"Quando escolhemos doar, não estamos apenas prolongando vidas; estamos multiplicando amor e renovando a esperança de quem precisa recomeçar", ressalta Ailla (Arquivo pessoal)

Em plena pandemia de Covid-19, a psicóloga e neurocientista Ailla Pacheco foi parar no hospital. Mas não por ter sido infectada pelo coronavírus. Diagnosticada com falência hepática, ficou internada por quatro meses. Foram 40 dias em coma. Enfrentou 15 infecções e ficou intubada, sem noção nenhuma da rede de solidariedade criada pela família e por amigos na busca por um fígado que pudesse reverter o prognóstico de mínimas chances de sobrevivência.

Quatro anos se passaram e ela construiu uma carreira ainda mais sólida. Orgulha-se dos seis livros publicados, das formações internacionais em meditação, terapias integrativas e yoga, dos cursos ministrados em várias cidades do Brasil e no exterior - Portugal, Índia e Peru. Conquistas que só foram possíveis porque ela recebeu um “sim”. Dado pela família do doador. 

Hoje, atua como palestrante, abordando temas como saúde mental, neurociências, transplante de órgãos, bem-estar e qualidade de vida. É reconhecida pelo trabalho inovador que desenvolveu ao integrar técnicas de meditação com neurociências, uma abordagem pioneira na promoção da saúde mental, especialmente no atendimento a pacientes crônicos. Assim como ela foi naquele 2020. “A minha mensagem é clara: salve vidas! Comece pela sua. Ame, acredite e doe – porque juntos, com gestos de amor, podemos transformar o mundo!”.

Como você vê a área da neuropsicologia atualmente? Qual a evolução mais notada?
A neuropsicologia está vivenciando um momento de ampla valorização, tanto pela população quanto pela comunidade científica e médica. Avanços significativos têm demonstrado de forma contundente a relação intrínseca entre o funcionamento cerebral, os aspectos emocionais e comportamentais, e a qualidade de vida. Nesse contexto, o papel do neuropsicólogo se destaca como indispensável no diagnóstico, tratamento e reabilitação de transtornos mentais e neurológicos, trazendo uma visão integrada e baseada em evidências científicas.

Entre os progressos mais notáveis está a integração da neuropsicologia com outras especialidades médicas, como neurologia e psiquiatria, com ênfase na avaliação neuropsicológica. Essa ferramenta possibilita uma análise detalhada das funções cognitivas, emocionais e comportamentais do paciente, promovendo uma abordagem verdadeiramente multidisciplinar e centrada no indivíduo.

Essa sinergia tem sido essencial para desenvolver tratamentos mais precisos e personalizados, estabelecendo um elo sólido entre diagnóstico e intervenção, e ampliando significativamente as possibilidades de recuperação e bem-estar dos pacientes.

Você passou, em 2020, em plena pandemia, por um episódio muito delicado de saúde. E após uma recuperação fantástica, se dedicou a incentivar a doação de órgãos, tornando-se “personagem” de uma campanha do Estado em 2023. Ainda se dedica ao tema?
Sim, essa causa é uma parte essencial da minha vida desde o meu transplante, quando, por meio da generosidade de um doador, recebi não apenas um órgão, mas uma nova chance de viver. Desde então, minha dedicação vai muito além das campanhas anuais promovidas pelo Estado; é algo que levo comigo todos os dias. Sempre que posso, falo sobre a importância de doar – não apenas órgãos e sangue, mas amor e esperança. Eu acredito que conscientizar as pessoas é a chave para fazer a vida continuar. Pois o transplante não é o fim, mas um recomeço!

Hoje, no Brasil, mais de 43,7 mil pessoas aguardam por um transplante. São vidas marcadas por histórias de luta, fé e perseverança, que dependem de um gesto capaz de mudar tudo: o SIM de uma família! Um único corpo pode salvar até dez vidas, mas é fundamental que essa decisão seja comunicada à família.

Quando escolhemos doar, não estamos apenas prolongando vidas; estamos multiplicando amor e renovando a esperança de quem precisa recomeçar. Desejo que cada um de nós escolha manter viva a chama do amor, iluminando caminhos e salvando vidas através da doação de órgãos!

Foram quatro meses internada. O que aquele episódio resignificou na sua vida?
Aqueles meses foram uma pausa necessária para um recomeço – um verdadeiro renascimento. Foi um momento de reavaliar tudo e traçar novos caminhos e missões. Decidi começar essa transformação “por dentro”, colocando em prática aquilo que sempre compartilhei com meus alunos e pacientes ao longo dos anos: meditar, respirar conscientemente, cuidar da minha saúde mental e, acima de tudo, reconectar-me comigo mesma. Aprendi que é no silêncio e na conexão com a nossa essência que encontramos as respostas mais profundas. Esse período me mostrou que a verdadeira cura começa quando olhamos para dentro com coragem, cuidado e amor.

Quais os cuidados que ainda precisa ter com a saúde? Incentivou ou inspirou muitas pessoas?
A jornada após o transplante exige cuidado constante, com acompanhamento clínico e laboratorial, gestão dos desafios relacionados à imunossupressão e protocolos alinhados à equipe médica responsável pelo transplante. No entanto, apesar de todos os desafios, minha vida hoje é infinitamente incrível e vale a pena ser vivida e compartilhada!

Após o transplante, iniciei uma nova missão como neurocientista: pesquisar e trabalhar com transplantes na interface entre medicina, psicologia e saúde mental. Durante meu mestrado acadêmico, levei meditação e saúde mental para pacientes transplantados, e os resultados foram fantásticos. Pacientes que passam por transplantes e internações prolongadas frequentemente enfrentam desafios psicológicos significativos, como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. 

A saúde mental desses pacientes é uma parte essencial da recuperação e precisa de um olhar cuidadoso e especializado. É gratificante saber que essa luta têm impactado outros pacientes, incentivando-os a se cuidarem, valorizarem a saúde mental e acreditarem em recomeços.

Essa dedicação é, para mim, uma forma de retribuir tudo o que recebi e de levar esperança àqueles que enfrentam jornadas semelhantes e desafiadoras.

E como avalia a importância da neuropsicologia na aceitação do seu problema de saúde e, consequentemente, na recuperação?
A neuropsicologia foi um pilar fundamental na minha recuperação. Ela oferece um caminho de autoaceitação, autocompaixão e resiliência. Ela me permitiu compreender os mecanismos psiconeurobiológicos da minha condição autoimune, ajudando-me a regular tanto as emoções quanto o corpo. Além disso, pude levar esse conhecimento para outros pacientes, criando uma rede de apoio e conscientização. As doenças crônicas são desafios profundos, mas também podem ser vistas como mestres que nos ensinam lições valiosas sobre paciência, autocuidado e a força de recomeçar.

Você também é palestrante, abordando temas como saúde mental, neurociências, transplante de órgãos, bem-estar e qualidade de vida. Qual a principal dúvida ou o principal questionamento das pessoas?
Uma das perguntas que mais me fazem é sobre minha experiência no coma. No começo, eu achava que a curiosidade das pessoas era apenas sobre aquele momento em si, sobre o que eu senti, sobre o que aconteceu. Mas, refletindo profundamente, entendi que, na verdade, essa pergunta não é sobre o coma. É sobre a morte. Na verdade, sobre a experiência de quase-morte.

O coma é, para muitos, a experiência mais próxima que alguém pode imaginar da morte sem realmente cruzar a linha. E isso mexe profundamente com as pessoas, porque a morte, apesar de ser uma certeza universal, carrega um mistério que desperta medo. Quando as pessoas me perguntam sobre o coma, o que elas realmente estão perguntando é: “O que acontece quando tudo acaba? Como é estar tão perto do fim”? Elas não percebem, mas, ao fazerem isso, estão tentando enfrentar suas próprias angústias sobre a mortalidade.

Mas aqui está o ponto mais fascinante: o medo da morte é, muitas vezes, um reflexo do medo da vida. Viver plenamente exige coragem. Encarar a vida significa aceitar o risco de perder, de errar, de sofrer, mas também de amar, de transformar e de ser transformado. Muitas pessoas têm medo de viver, porque viver exige enfrentar não apenas o abismo da morte, como dizia Nietzsche, mas também o abismo de si mesmo.

E foi exatamente isso que o coma me ensinou. No silêncio ensurdecedor que experimentei, tive que encarar meu próprio vazio, minha fragilidade e, paradoxalmente, minha imensidão. Ali, no limite entre a vida e a morte, percebi que o maior milagre não é sobreviver, mas ter a coragem de viver com propósito. Entendi que a transformação não precisa acontecer apenas nas grandes tragédias ou desafios, mas pode estar presente em cada nascer do sol, em cada sorriso, em cada escolha de recomeçar.

O que eu tento passar às pessoas, quando me fazem essas perguntas, é que não precisamos esperar o abismo olhar de volta para nós.

Não precisamos chegar ao fundo do poço para dar sentido à vida. Porque Deus, o amor e a transformação estão em tudo, desde as pequenas alegrias até os grandes desafios. Encontrar sentido não é sobre o que acontece quando morremos, mas sobre como escolhemos viver enquanto estamos aqui.

Então, se você tem medo da morte, pergunte-se: você tem medo da vida? E, se tem, como seria escolher viver plenamente, mesmo com o risco do desconhecido? O que o coma me ensinou — e o que sempre digo às pessoas — é que viver é um ato de coragem. E quando encaramos a vida com amor, com entrega e com propósito, a morte deixa de ser um fim assustador e se torna apenas parte de um ciclo maior.

No final, não é sobre quanto tempo temos, mas sobre o que escolhemos fazer com o tempo que nos foi dado. A vida é agora. Deus está presente agora. E o milagre é ter coragem de enxergá-lo em cada momento, mesmo nas dificuldades, mas também nas alegrias que, tantas vezes, passam despercebidas. Porque viver, com tudo o que isso implica, é a maior prova de fé que podemos dar.

E o que espera de 2025? Alguma novidade em vista?
Para 2025, vislumbro um ano de grandes realizações! Iniciarei o meu Doutorado em Neurociências, um sonho que vem sendo construído com muito estudo, dedicação e paixão pela ciência. Além disso, meu trabalho continuará em diversas frentes: nos atendimentos clínicos, nas avaliações neuropsicológicas e, com grande alegria, na reinauguração presencial dos cursos oferecidos pelo meu Instituto em Belo Horizonte. Entre eles, destacam-se os programas de Neuromeditação e a Formação em Yoga Terapêutico e Restaurativo, que abrirão caminhos para que mais pessoas tenham acesso a conhecimentos e práticas capazes de transformar vidas e promover saúde, bem-estar e autoconhecimento.

Estou profundamente animada com esse novo ciclo e repleta de alegria pelo impacto positivo que ele irá gerar na vida de muitas pessoas! Afinal, acredito que a melhor forma de servir ao próximo é compartilhando aquilo que transforma e edifica!

Quero deixar uma mensagem final: a vida é um presente frágil e poderoso, e cada um de nós carrega em si a força de recomeçar, mesmo quando tudo parece perdido. Eu sou prova viva disso. Em 2020, minhas chances de sobrevivência eram mínimas, mas aqui estou, porque escolhi acreditar. Acreditei em Deus, na ciência, no amor da minha família e na força que habita dentro de mim.

Resiliência não é sobre nunca cair, mas sobre levantar, dia após dia, mesmo diante das maiores tempestades. É acreditar que, por pior que seja o cenário, sempre há luz para quem não desiste de procurá-la. E essa luz não está só em nós; ela se multiplica quando nos doamos ao próximo, quando amamos com generosidade, quando escolhemos salvar vidas.

Doar é um ato de coragem e de amor. Seja doar um órgão, tempo, sangue, esperança ou simplesmente uma palavra. Doar é escolher que a vida continue, que histórias sejam reescritas e que milagres aconteçam, assim como aconteceu comigo.

A minha mensagem é clara: salve vidas! Comece pela sua. Ame, acredite e doe – porque juntos, com gestos de amor, podemos transformar o mundo!

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